Título: Municípios extrapolam limites da Lei Fiscal
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Fonte: Valor Econômico, 04/08/2008, Especial, p. A12

O Tribunal de Contas do Paraná está de olho nas contas das prefeituras que recebem royalties de Itaipu. "Observamos que havia desvio de finalidade na aplicação do dinheiro", explica o corregedor geral e conselheiro Fernando Mello Guimarães. "O objetivo era que os municípios aplicassem em atividade produtiva." Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, os valores recebidos como compensação pelo alagamento de áreas era usado para qualquer fim. Em Santa Helena, que já recebeu R$ 257 milhões em royalties, 92% da receita corrente líquida (RCL) era destinada a pagamento de pessoal, fora do limite de 60% da LRF. Isso só era possível porque havia dinheiro extra para honrar compromissos com saúde, educação e obras. Os royalties não fazem parte da RCL, por serem considerados transitórios.

Guimarães disse que o TC não teve como determinar o cumprimento imediato da lei, para não criar "um caos administrativo e social", mas exigiu que os municípios reduzissem aos poucos a dependência dos royalties, com a retirada de 5,83% de seu montante ao ano da arrecadação tradicional. Ficou definido que o dinheiro de Itaipu não pode pagar empregados das prefeituras. Tanto Santa Helena quanto Itaipulândia tiveram contas reprovadas pelo TC nos últimos cinco anos por uso indevido dos royalties.

O vice-pefeito de Santa Helena, José Altair Schimmelfennig, disse que os royalties "representaram 75% da arrecadação, quando o dólar estava em quase R$ 4". Hoje eles respondem por cerca de 50% das receitas. "Até 2004, aplicava-se em tudo. Investimos duas a três vezes mais que o previsto por lei em saúde e educação", contou. A intenção do TC é fazer com que, até 2023, quando o tratado de Itaipu irá completar 50 anos (ver quadro), as 16 cidades que tiveram áreas alagadas usem os 60% da arrecadação com a folha, e os royalties sejam destinados a ações que gerem receita e emprego. Schimmelfennig disse que medidas nesse sentido estão em andamento no município, com incentivos para a atração de uma indústria de biscoitos e de um frigorífico de suínos.

Desde 1991, Itaipu repassou R$ 6,3 bilhões em royalties para ministérios federais, estados e prefeituras daqui e do Paraguai. Os municípios brasileiros ficaram com R$ 1,025 bilhão. Agora há visões diferentes sobre o que pode acontecer em 2023, quando vence o anexo C do tratado bilateral. Nele estão definidas questões financeiras como o pagamento da dívida da hidrelétrica, compensações e outras despesas.

"Se não for renovado o acordo, os royalties podem deixar de ser pagos", diz o corregedor-geral e conselheiro do Tribunal de Contas, Fernando Guimarães. O prefeito de Santa Helena, José Altair Schimmelfennig, tem outra expectativa:"Acho que os repasses vão até aumentar, porque vai acabar a dívida da usina".

O diretor-geral brasileiro da hidrelétrica, Jorge Samek, garante que, enquanto a usina gerar energia, deve continuar pagando royalties. "O mapa não vai mudar depois de 2023, e os municípios continuarão com parte da área alagada. Já existe um movimento para que, após esse período, os repasses continuem", contou. "O Paraná não vai permitir essa derrota. Quantos mil hectares deixaram de produzir grãos?" Ele explicou que o repasse é feito em dólar porque o faturamento da usina é em moeda americana, como está definido no tratado. Hoje, do faturamento de Itaipu (US$ 3,4 bilhões), 70% vão para dívida e juros. Para royalties e cessão de energia vão 15% e outros 15% são gastos em salários, custeio e programas ambientais.

Samek admite que os recursos poderiam ter sido usados de maneira mais sábia, mas não aceita críticas aos repasses. "Os municípios viveram momentos de extrema abundância, e isso é um perigo. É como ganhar na loteria e comprar carro e casa e depois descobrir que tudo precisa de manutenção e mais gastos", compara. "Mas o que estamos vendo é briga política, que não tem nada a ver com esse dinheiro." Para o delegado-chefe da 6ª Subdivisão da Polícia Civil, de Foz do Iguaçu, Alexandre Macorin de Lima, falta preparo dos políticos e da população para lidar com esses valores. "São pessoas simples que acabam se perdendo em algum momento", diz. "Como não vemos punição para o mau uso do dinheiro, isso gera a sensação de que tudo é permitido, inclusive matar."(M.L.)