Título: Siderurgia investe alto na verticalização da cadeia produtiva
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Fonte: Valor Econômico, 04/08/2008, Empresas, p. B7
Quarenta candidatos. Se confirmado tal número de empresas que teriam mostrado interesse na compra da mina de ferro Namisa, pertencente à CSN, isso dá uma exata dimensão da preocupação que tomou conta da indústria siderúrgica no mundo em relação às suas fontes de matérias-primas e insumos. Afirmações de que o longo ciclo de alta das commodities chegou ao fim ainda não soam como alívio no setor. A escalada de aquisições de ativos que integram a cadeia produtiva do aço mostra que as empresas querem se precaver contra dias difíceis no futuro. Elas buscam proteção contra problemas de suprimento, escassez de reservas, produção concentrada nas mãos de poucos, novos reajustes nos preços e perdas de rentabilidade. Ter o controle de pelo menos parte das fontes de suprimento virou questão estratégica.
A decisão é investir em minas de ferro e carvão, em produção de coque, de carvão vegetal e ferro-gusa, no beneficiamento de sucata de ferro e até na geração de energia. Os aumentos dos fretes marítimos e das matérias-primas e insumos para produzir aço variaram de 300% a mais de 600% entre 2003 e 2008. Os 220% de alta para o carvão metalúrgico em 2008 foi um choque para empresas de todo o mundo. O minério de ferro não ficou atrás: subiu de 65% a 96%.
O caso mais evidente de busca de verticalização da cadeia produtiva no setor é o da ArcelorMittal, líder mundial na produção de aço, com operações em todos os continentes. Lakshmi Mittal, principal acionista e comandante da companhia sediada em Luxemburgo, não pára de comprar ativos nas mais diversas partes do mundo. A última noticia dá conta que ele pode abrir nos próximos dias uma disputa pelo controle da Alpha Natural Resources, mineradora de carvão de West Virgínia, nos EUA. Valor do negócio: quase US$ 9 bilhões. Há poucas semanas, a ArcelorMittal já havia comprado duas minas pequenas de carvão no país e 20% do capital da Macarthur Coal, terceira exportadora da Austrália.
A corrida de Mittal já é seguida por siderúrgicas do Japão, China, Coréia do Sul, Índia, Europa e América Latina. A compra da Namisa, que tem grupos asiáticos como principais interessados, pode custar em torno de US$ 10 bilhões. "No cenário de competição do setor, o movimento da ArcelorMittal tem um grande efeito sobre os concorrentes", diz Germando Mendes de Paula, especialista em siderurgia e professor-doutor da Universidade Federal de Uberlândia.
A expansão da siderurgia nos últimos cinco anos, puxada pela China, trouxe uma pressão antes inimaginável sobre os preços das matérias-primas do aço, observa Albano Chagas Vieira, superintendente da Votorantim Siderurgia. "E esse processo não vai se arrefecer no curto prazo", diz. Ele aponta, por exemplo, o caso do carvão metalúrgico. Valia US$ 30 a tonelada dez anos atrás; hoje, está acima de US$ 300. E pode ficar mais traumático. "Está cada vez mais caro, está escasso - 'atualmente há falta do produto' -, está nas mãos de poucos produtores e a exploração enfrenta questões de controle ambiental e de segurança operacional nas minas subterrâneas". Para Vieira, quem não se preocupar em fazer contratos de longo prazo ou assegurar suas próprias fontes de suprimento vai ter problemas.
O executivo aponta outro ponto que considera primordial nesse cenário: até quando será possível repassar os custos das matérias-primas para os preços do aço. A conseqüência, que vira fator limitante, é a pressão inflacionária que atinge países de todo o mundo, com medidas de freio nas suas economias. "A elasticidade da demanda nem sempre se manterá na mesma direção; em algum momento ela se esgota", diz. Para Vieira, a única forma de se proteger é integrar a cadeia produtiva.
Na Gerdau, 13ª maior siderúrgica e segunda maior de aços longos no ranking mundial, esse processo vem se aprofundando, explica André Gerdau, presidente da companhia. "Nossa estratégia visa ter uma cadeia de produção mais competitiva; por isso, buscamos reduzir custos". Está definido em seus planos de longo prazo ter geração própria de energia elétrica, minério (ferro e carvão) e suprimento de sucata de ferro. Por operar a maioria das usinas com fornos elétricos, o grupo é um grande consumidor do insumo - 600 MW ao ano no Brasil. E depende demais do fornecimento de sucata.
No momento, o grupo investe cerca de US$ 600 milhões na construção de quatro hidrelétricas (duas em Goiás e duas no Paraná), que vão somar 260 MW de potência instalada. Ainda detém 52% do consórcio que controla D. Francisca, no Sul, outra usina de médio porte já em operação. A decisão é não parar por aí. "Estamos estudando projetos em outros países, como Chile (que tem preço elevado de gás) e Colômbia", informa André. Para o grupo, diz, não há sinalização de conforto na oferta e nem nos preços da energia no futuro. A meta é garantir no mínimo 30% de auto-suficiência.
Em minério de ferro, por ter quatro usinas que usam essa matéria-prima, a meta da Gerdau é passar dos atuais 30% de material próprio para 80% em 2010. Lideradas pela Açominas, elas consomem 9,5 milhões de toneladas por ano. O grupo está investindo US$ 120 milhões na expansão de duas das suas quatro minas de ferro em Minas, cujas reservas soma 1,8 bilhão de toneladas. A Índia, onde tem uma parceria com grupo local para fazer aço, pode surgir como nova frente de extração de minério, visando atender futuros projetos siderúrgicos. Na Colômbia, adquiriu 51% da Coke Coal, produtora de coque de carvão que faz 1 milhão de toneladas ao ano e tem sua própria reserva. Já envia o insumo para sua siderúrgica no Peru. "Vamos estudar planos de expansão".
Para os executivos do setor, a pressão sobre as matérias-primas e insumos vai continuar. Nos próximos cinco anos, dizem, o consumo de aço se manterá em alta, principalmente nos países emergentes, com a China ainda à frente. Mittal prevê de 3% a 5% de alta da demanda no período. Isso significa ter de pôr no mercado de 50 milhões a 75 milhões de toneladas adicionais de aço a cada ano. Em 2008, a indústria projeta crescer quase 6%, para 1,415 bilhão de toneladas.
Isso significará maior demanda por minério de ferro e sucata (cerca de 80 milhões de toneladas/ano) e cerca de 30 milhões de carvão (mineral e vegetal), coque e ferro-gusa.
Com a crescente concentração na indústria mineral, a tendência é que os preços das matérias-primas do aço permaneçam elevados, diz Marco Antônio Castello Branco, presidente da Usiminas. Ele aponta dois fatores que justificam investir na verticalização das siderúrgicas: assegurar suprimento, pois oferta e demanda ainda estarão apertadas, e participar de uma fatia dos elevados ganhos que os detentores de reservas minerais em geral passaram a ter nos últimos anos.
Ele lembra que minério de ferro, carvão, ligas e sucata de aço já respondem por 85% do custo de produção de uma tonelada de aço e mão-de-obra apenas 5%. Para ele, a difícil oferta de carvão metalúrgico é um item de muita preocupação no setor. Por isso, além do minério de ferro e energia - nos quais a empresa está investindo US$ 4 bilhões, valor que corresponde a um terço do programa de expansão da empresa até 2012 -, a Usiminas já olha também oportunidades de aquisições. "É um bem escasso e nas mãos de poucos".
O programa de investimento da Usiminas prevê produzir 29 milhões de toneladas de minério de ferro a partir de 2013, das quais 7 milhões na forma de pelotas. Seu consumo total ficará na casa de 24 milhões. Em energia, com a térmica de 250 MW usando gases recuperados da nova usina de aço, a meta é ter 75% de auto-suficiência.
"A zona de conforto na integração da cadeia só começa a partir de 50%", afirma Vieira, da Votorantim. A nova divisão de negócio do grupo nasce com 80 mil hectares de florestas de eucaliptos para produção de carvão vegetal, o qual resultará em ferro-gusa. Além disso, sua usina colombiana Paz del Río detém reservas de carvão e minério de ferro que serão maximizadas para atender suas necessidades e as do grupo. A holding controla três fábricas (Brasil, Colômbia e Argentina) e constrói uma nova no Rio. A previsão é estar produzindo 3 milhões de toneladas em 2010.
A ArcelorMittal conduz o que chama de "plano ambicioso de expansão" das fontes próprias de matérias-primas. Em minério de ferro, quer chegar em 2012 com produção de 110 milhões de toneladas. Isso representaria 65% das suas necessidades. Seu programa de investimentos neste ano soma US$ 5 bilhões. Em carvão, a meta é passar doas atuais 20% para 45% a 60% no mesmo período. Com aquisições e investimentos em praticamente todos os continentes, a África tornou-se um de seus principais alvos.
"Mudou a concepção de principal negócio nas siderúrgicas; agora o foco é a cadeia produtiva", declara Castello Branco, da Usiminas. " O mundo mudou de forma radical".