Título: Serra assume em meio a crise política e econômica
Autor: César Felício, Cristiane Agostine e Jamil Nakad Jr
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2005, Brasil, p. A5

O prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) comandou ontem a sua primeira reunião do secretariado, anunciando a revisão de todos os contratos e a suspensão das licitações da prefeitura. É a primeira medida de contenção de custeio e investimentos para reequilibrar a situação financeira da prefeitura e dar ao prefeito maior margem de manobra para retomar com o Ministério da Fazenda as conversas em relação à dívida de longo prazo. As medidas serão publicadas hoje, em edição extraordinária do Diário Oficial da prefeitura. "Vai ter renegociação de todos os contratos e as licitações em curso serão suspensas para readequação da projeção de custos", disse o secretário municipal de Governo, Aloysio Nunes Ferreira Filho. O secretário municipal de Finanças, Mauro Ricardo Costa, não confirmou que a disponibilidade de caixa da prefeitura corresponde aos R$ 376 milhões divulgados pela ex-prefeita Marta Suplicy no último dia de sua gestão. Costa garantiu, entretanto, que nenhum serviço será suspenso. "Há o compromisso de fazer os pagamentos, mas ainda não sabemos os recursos que dispomos", disse. O prefeito também mostrou-se disposto a não alterar a estratégia de dureza na negociação com os vereadores que o levou a começar o governo perdendo a eleição para a presidência da Câmara. "Estamos fazendo uma gestão republicana e o Executivo não influenciou para que o resultado fosse diferente. Nós nos recusamos a utilizar mecanismos como troca de cargos por votos, mesmo que neste caso não tenha havido demanda por parte deles. Será esta a linha do mandato até o último momento", disse ontem o secretário municipal das subprefeituras, Walter Feldman. Junto com o secretário municipal do Governo e coordenador político de Serra, Aloysio Nunes Ferreira Filho, o líder do governo na Câmara, vereador Marcos Zerbini, e com o vice-prefeito Gilberto Kassab (PFL), Feldman tomou parte nas negociações fracassadas. Depois de eleito, Serra cedeu pouco espaço na administração até mesmo aos vereadores do seu próprio partido. Não fez até agora as nomeações para 31 das 32 subprefeituras, esperando que os integrantes do Legislativo dessem provas antecipadas de fidelidade. O prefeito apostou em aproximações com as cúpulas. Tentou conseguir uma mudança de posição dos vereadores do PTB e do PL, por meio de contatos com as direções estaduais das siglas, que apóiam o governo estadual tucano. Procurou a direção nacional do PT, oferecendo uma troca de apoios: os tucanos sustentariam a candidatura do petista Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) na Câmara dos Deputados e os petistas apoiariam o candidato do prefeito entre os vereadores. Mas a realidade local prevaleceu todos os instantes. "O Congresso Nacional não pauta a Câmara", disse o vereador João Antônio (PT), que foi líder do governo Marta Suplicy. O resultado, por hora, é a Câmara presidida por um dissidente tucano, Roberto Tripoli, e dominada pela oposição e pelos vereadores do chamado "centrão", um grupo de parlamentares que negociou o apoio a todos os últimos prefeitos de São Paulo em troca de cargos e trânsito político na prefeitura. Não há dúvidas entre os vereadores de fora do "centrão" que o grupo deseja apoiar o governo Serra, mas nos mesmos padrões de relacionamento político que mantiveram nas administrações de Maluf, Pitta e Marta. Segundo Feldman, a mudança de posição de Tripoli, que abandonou a aliança para tentar eleger o preferido do prefeito, Ricardo Montoro (PSDB), e se lançou candidato com o apoio dos oposicionistas e do "centrão" pegou todo o comando político do governo de surpresa. "Essas coisas existem há mais de seis mil anos e fazem parte da imprevisibilidade da política. Definitivamente, não esperávamos", disse. A crise com o Legislativo aumenta de importância em função da situação financeira delicada. "Estes primeiros meses serão de muita austeridade, maior que a média do restante do mandato. Não será fácil", previu, durante a posse no último sábado, o ex-ministro da Casa Civil e do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, que foi o coordenador tucano da equipe de transição, logo após as eleições e que não irá exercer cargo na administração, ainda que tenha participado da reunião do secretariado ontem. Na posse de Serra, a presença mais aplaudida foi a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que estava acompanhado de boa parte de seu antigo ministério. Mas nas entrevistas, mais uma vez o governador paulista Geraldo Alckmin foi o citado como o favorito dentro do partido para ser candidato a presidente em 2006. "Ele é o nome mais forte e espero que se firme para 2006. A eleição do ano foi importante porque demonstrou que é possível ganhar", afirmou o ex-ministro da Educação, Paulo Renato de Souza. Não estavam presentes tucanos de fora de São Paulo. Representando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, compareceu o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Dos 55 vereadores, Serra têm hoje garantido em sua base de apoio 26 integrantes, os que votaram em Montoro para presidente. O PT conta com uma bancada de 13 parlamentares e os dezesseis restantes são votos do "centrão" composto pelo PMDB, PL, PCdoB e parte do PTB e PP. Aos gritos de traidor, Tripoli foi eleito presidente da Câmara em meio a safanões e ameaças de agressão física. O parlamentar foi um dos tucanos mais atuantes na oposição à gestão da petista Marta Suplicy e até uma semana antes da sua guinada era era cotado para assumir a secretaria municipal do Meio Ambiente, que terminou nas mãos do ex-deputado Eduardo Jorge, filiado ao PV mas sem o apoio do partido para ocupar o cargo. Ontem, Tripoli, que deve enfrentar um processo de expulsão do PSDB nos próximos dias, apesar de ser o vice-presidente municipal da sigla, negou que vá fazer oposição a Serra. "Ajudei a fazer o programa de governo de Serra e na presidência da Câmara não vou fazer oposição".