Título: Exportar vira opção para produtor de trigo
Autor: Scaramuzzo , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2008, Agronegócios, p. B12

Os produtores brasileiros de trigo, sobretudo os gaúchos, deverão exportar mais este ano. A colheita, que começa aos poucos em algumas regiões do Sul do país, não será nem de longe suficiente para suprir a demanda do mercado interno, como ocorre nos últimos anos, mas os embarques são uma das opções que os triticultores têm para garantir melhor rentabilidade.

A expectativa é de que as exportações atinjam até 800 mil toneladas na safra 2008/09. Se confirmada essa estimativa, o aumento em relação ao ciclo passado será de 26%. As exportações de trigo não são uma prática comum no Brasil - muito dependente da matéria-prima da Argentina. Mas em 2007, pela primeira vez, o país embarcou trigo para consumo humano, e o mesmo poderá ocorrer agora.

Tradicional importador (o segundo maior do mundo, atrás do Egito), o Brasil só vai exportar porque não terá espaço para comercializar o produto no mercado interno, que consome cerca de 10,5 milhões de toneladas anuais.

Durante o período de decisão de plantio, a partir de março, os preços do cereal atingiram o teto de R$ 830 (a tonelada) no mercado interno, o que motivou o aumento de 26% da área plantada, para 2,3 milhões de hectares, e produção estimada em 5,4 milhões de toneladas, com aumento de 38%.

Mas durante o pico da colheita, entre setembro e outubro, esse trigo estará cotado a R$ 500, de acordo com estimativas da consultoria Safras&Mercado. No Paraná, maior produtor do país, a tonelada fechou sexta-feira a R$ 650. "As cotações estão com viés de baixa", disse Élcio Bento, especialista em trigo da consultoria.

Em 2007/08, encerrado em 31 de julho, o Brasil importou 7,2 milhões de toneladas de trigo, dos quais 1 milhão de toneladas em farinha, com gastos de US$ 1,03 bilhão. No mesmo período, o país exportou 640 mil toneladas do cereal, com receita de US$ 200 milhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Para esta safra atual, a estimativa é importar 6,3 milhões de toneladas.

Os embarques brasileiros de trigo, quando ocorrem, geralmente são de produto de qualidade inferior, voltado para produzir ração animal. Os volumes colhidos no Paraná têm como destino o mercado interno por ser um cereal destinado às indústrias de panificação e massa. Já o Rio Grande do Sul, segundo maior produtor, produz o trigo denominado "soft", que é voltado para o mercado de biscoitos. É do mercado gaúcho que sairá boa parte dos embarques.

No ano passado, com a forte alta dos preços do trigo e grãos no mercado internacional, e a retenção das exportações de grãos e cereais pelo governo da Argentina, o cenário de oferta global para o produto ficou apertado. Em 2007, o trigo subiu 78% na bolsa de Kansas, onde se negocia o cereal de melhor qualidade. Neste ano acumula queda de 8%. Também este ano, o Brasil chegou a zerar a TEC (Tarifa Externa Comum), que é taxada em 10%, para comprar trigo de outros mercados, como os EUA. Com isso, cerca de 1 milhão de toneladas chegou ao país de fora do Mercosul.

Moinhos brasileiros se abasteceram para evitar novo revés da Argentina e não queriam correr o risco de uma quebra de safra no país, segundo fontes das indústrias ouvidas pelo Valor. Como não houve problemas climáticos, o Brasil deverá colher este ano um volume de 5,4 milhões de toneladas, 38% mais que no ciclo anterior. A Argentina também começou a liberar as licenças de exportação e deverá vender mais 900 mil toneladas referentes à safra velha, boa parte para o mercado brasileiro. A partir de dezembro, os argentinos voltam novamente ao mercado com sua nova safra de trigo.

"Os produtores apostaram na alta dos preços do trigo e plantaram mais. Só que o período de comercialização coincide com um momento agora de oferta abundante", disse uma fonte.

As indústrias moageiras não têm do que reclamar. Abastecidas, elas também se beneficiam da elevação da alíquota de 10% para 18% das tarifas de exportações de farinha de trigo da Argentina, em vigor desde 28 de julho. Há quase 10 dias, as indústrias ameaçaram entrar com processo antidumping contra os moinhos argentinos. A maior pedra no calcanhar das indústrias era justamente a diferença entre as tarifas argentinas de exportação de farinha de trigo e a do trigo em grão (em 28%). Por conta dessa diferença em favor da farinha, os volumes importados do produto industrializado estavam aumentando no Brasil, tirando a competitividade dos moinhos nacionais. Em visita à Argentina hoje, o assunto voltará à pauta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com isso, acreditam analistas ouvidos pelo Valor, as indústrias terão maior poder de barganha para negociar a compra da matéria-prima nacional. Sem muita alternativa, os produtores devem recorrer ao mercado externo. "O câmbio é o que deve pesar contra", afirmou Élcio Bento, da Safras.

Somente neste ano, as indústrias brasileiras anunciaram dois reajustes: 10% em março e 20% em abril por conta da alta da matéria-prima no mercado internacional. Em recente entrevista a este jornal, Sérgio Amaral, recém-empossado presidente da Abitrigo (Associação Brasileira das Indústrias de Trigo), disse que a entidade não comenta política de comercialização de suas associadas. Diante do cenário de superoferta interna, disse, o consumidor será o maior beneficiado. Só que ele não prevê qualquer queda de preços.