Título: Para analistas, será difícil fechar acordos bilaterais
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2008, Brasil, p. A4
Novas dificuldades serão apresentadas e novos tipos de compromissos serão exigidos do Brasil para a retomada das negociações para acordos bilaterais de comércio. É o que advertem especialistas em negociações internacionais, reunidos pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e o Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), dois dos principais centros de estudos sobre negociações em política externa do país. "O que vem por aí é muito pesado", alerta o especialista Alfredo Valadão, diretor da cátedra Mercosul no Instituto de Estudos Políticos de Paris, que prevê a inclusão de novos temas políticos nos acordos de comércio.
"A Rodada Doha negociava o passado, hoje há uma série de novos temas, que têm a ver com o novo mapa econômico e político do mundo", comentou Valadão. Ele inclui entre esses temas, que países desenvolvidos exigirão incluir entre as cláusulas de acordos de comércio, padrões trabalhistas e de proteção ao meio ambiente, e salvaguardas ligadas à segurança alimentar. O Brasil deve evitar uma postura defensiva e tem de preparar propostas para negociar temas como esses, porque pode até descobrir vantagens para o país, diz Valadão, lembrando, por exemplo, que a matriz energética e a estrutura produtiva brasileira são mais "verdes" que a da Europa.
Na avaliação de especialistas como Lia Valls Pereira, da Fundação Getúlio Vargas e o presidente do Cebri, José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil na Argentina e ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), o Brasil deve se preparar para discutir mais profundamente temas até hoje rejeitados pelo país na mesa de negociações e considerados de grande relevância por parceiros do mundo em desenvolvimento, especialmente os EUA. Entre eles está a abertura a fornecedores estrangeiros nas compras de governo, acordos de proteção ao investidor estrangeiro e reforço das normas de proteção à propriedade intelectual.
A economia brasileira se sofisticou, as empresas ganharam competitividade e o país não teria dificuldades em encontrar uma "agenda ofensiva" (reivindicatória) em temas como compras governamentais e acordos de investimento, sublinha Sandra Rios, diretora do Cindes. Como os outros analistas reunidos pelo Cebri e pelo Cindes, ela concorda que são pouco otimistas os cenários para as futuras negociações de abertura de mercados - especialmente para os interesses do Brasil nos mercados agrícolas.
Além disso, as empresas brasileiras hoje temem mais a competição dos países emergentes, como os asiáticos, do que a concorrência das empresas européias, o que dificulta acordos comerciais com os países em desenvolvimento, comenta Sandra, ao afirmar que o país teve uma movimentada agenda de negociações bilaterais e regionais, mas foi mal-sucedido em obter resultados significativos. "A agenda não é nada fácil". Para os especialistas, os parceiros do Brasil e do Mercosul em qualquer futura negociação vão querer usar como base das negociações os limites para concessões revelados pela indústria brasileira no esforço para obter um acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Para a economista Soraya Rosar, da Coalizão Empresarial, a adesão da China à OMC, com a competitividade de seus produtos industriais, dificulta ainda mais acordos multilaterais. Soraya, que esteve em Genebra nas discussões frustradas da Rodada Doha, em julho, acredita que os negociadores haviam chegado ao máximo que seus mandatos permitiam. Segundo ela, nunca houve tanta vigilância de parlamentares dos EUA, presentes em Genebra, sobre os negociadores americanos.
Sandra Rios e o ex-ministro de Relações Exteriores Luis Felipe Lamprea defendem que o país deveria ter apostado com mais força na negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Acreditam que, apesar das resistências dos EUA em aceitar demandas brasileiras, o principal motivo do afastamento brasileiro das discussões foi de ordem política, pelo desinteresse no Itamaraty em relação ao acordo. "Foi ideológico, achavam que a Alca seria uma anexação aos EUA", acusa Lamprea. A Alca facilitaria até a abertura dos mercados dos países vizinhos, argumenta.