Título: Clube Militar reage à revisão da Lei da Anistia
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2008, Política, p. A7

O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, alvo de ação judicial por tortura, na platéia do Clube Militar Cerca de 300 militares da reserva lotaram ontem o auditório do Clube Militar para repudiar a possibilidade de considerar a tortura praticada na ditadura como crime comum no Brasil. A discussão foi aberta na semana passada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao defender que a tortura da época não deve ser vista como crime político e, por isso, não pode ser amparada pela Lei da Anistia, de 1979.

Em carta de autoria dos presidente dos clubes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, os militares criticaram os ministros Genro e Paulo Vanucchi (Secretaria especial dos Direitos Humanos), pois a rediscussão da lei é "desserviço prestado ao Brasil" e "fora de propósito". "Que fique bastante claro não ser o motivo deste seminário a defesa da tortura ou o ataque pessoal a quem quer que seja, mas o debate de uma lei que instituiu o esquecimento de atos reprováveis, eventualmente cometidos, como também o de crimes hediondos perpetrados por militantes das organizações terroristas que proliferavam àquela época", diz a carta.

O texto tenta ainda relacionar o governo com o terrorismo. "Se houvesse mesmo interesse em debater problemas nacionais, os dois ministros deveriam optar por algo mais atual e que incomoda em maior intensidade: os inúmeros escândalos protagonizados por figuras da cúpula governamental ou, ainda mais recente, a gravíssima suspeita de envolvimento de alguns deles com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)", afirma a carta.

Entre os que assistiam o seminário, estava o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, um alvo de ações judiciais recentes por tortura quando chefiava o DOI-Codi de São Paulo, de 1970 a 1974. Do lado de fora do Clube Militar, manifestantes do grupo Tortura Nunca Mais de Goiânia e estudantes protestavam com faixas e palavras de ordem, como "Brilhante Ustra, imunidade não vai mais acontecer".

No seminário, o general reformado Sérgio Augusto de Avellar Coutinho citou uma série de crimes praticados por organizações políticas contrárias à ditadura, como seqüestros, roubos a banco e assassinatos de militares, também contemplados pela Lei da Anistia. "Eles mataram mais de cem pessoas. Muitos deles ocupam cargos importantes nessa República". Para o general, há um revanchismo por parte do atual governo em reabrir o tema da anistia e uma tentativa de criar bodes expiatórios. "Eles não esqueceram de 1964, não perdoaram a derrota", disse. Para o general reformado, o governo tem uma política de enfraquecer as Forças Armadas e o país está "a um passo de fazer a revolução socialista".

Waldemar Zveiter, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça e (STJ) e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante os anos 80, ainda no regime militar, argumentou que o crime de tortura só foi tipificado em lei em 1997, após a Lei da Anistia, o que reforça a impossibilidade de considerar a tortura como crime comum. Em tom de ameaça, sugeriu a saída de Tarso Genro do cargo.

"O seu ministro da Justiça ou desapeia do cavalo ou monta direito. Porque senão a gente vai tirar ele de lá. Vamos tirá-lo e ele vai sair. Ou sai pelo voto ou porque nós vamos para a praça pública, vamos para frente do Palácio do Planalto, vamos fazer comício lá também. Não são só os sem-terra não. Os que têm terra, paletó e gravata sabem fazer comício também, sabem juntar gente", disse Zveiter, sob aplausos.

Em uma outra carta, militares do Grupo dos Guararapes sugeriram a saída de Tarso Genro do país. "Pode ser que o Ministro da Justiça vá embora para o Uruguai, como fez em 1964 e por lá fique. Seria ótimo para o Brasil e para verdadeira democracia". Para o ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves, que comandou o Exército durante todo o governo José Sarney, a discussão da anistia está superada e trata-se de "recalque pessoal de derrotados". "A Lei da Anistia foi determinada pelo povo brasileiro porque tiveram erros dos dois lados", disse o ex-ministro.

Em São Paulo, o ministro Paulo Vanucchi, disse ontem que a discussão está desfocada. "Não cabe ao governo federal discutir a punição aos torturadores e em nenhum momento defendemos mudanças na Lei da Anistia", disse . Depois de uma semana de polêmicas geradas a partir de declarações de Vannuchi e do ministro da Justiça sobre o período da ditadura militar no país, a grande preocupação do ministro ligado à defesa dos direitos humanos foi a de evitar que conflito com os militares tivesse repercussão ainda maior. Ele pediu "tranqüilidade" e disse que o governo "não tem nada contra as Forças Armadas".

Na semana passada, Vannuchi e Tarso Genro, participaram de um debate sobre a eventual punição dos torturadores nos campos civil e penal. "Não falamos nada parecido com a revisão da Lei da Anistia", disse ontem, após participar de um seminário sobre direitos humanos, na Universidade de São Paulo. "Não propusemos mudanças nem proporemos. Deixe a Lei da Anistia como está. O que foi discutido e continuará em debate, sem confronto ou xingamento, com serenidade e cabeça fria é: a tortura pode ser classificada como crime político?"

Segundo Vannuchi, o Judiciário deve ficar encarregado dessa análise. Se prevalecer o entendimento de que a tortura não é crime político porque os regimes ditatoriais não autorizavam a tortura, disse Vannuchi, "a sociedade civil terá de fazer essa discussão, mas sem mudar a lei". "Não cabe ao Executivo discutir punição", afirmou.

O ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Carodos José Gregori também defendeu a manutenção da Lei da Anistia. "Foi uma conquista das ruas, dos sindicatos, das universidades, da OAB. Não foi um ornamento jurídico. Foi um instrumento de redemocratização", disse Gregori, presidente da Comissão de Direitos Humanos de São Paulo. "Ela pode ser aperfeiçoada, mas a correção de injustiças deve ser feita sob a lei".