Título: A decisão equilibrada do Supremo Tribunal Federal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2008, Opinião, p. A10

Depois de decisões na esfera eleitoral que desautorizaram o Legislativo - a relativa à fidelidade partidária e a que nacionalizou as coligações eleitorais -, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo atrás e não referendou o que a Associação Brasileira dos Magistrados (AMB) queria. O STF não definiu como inelegíveis os candidatos sem sentença transitada em julgado, isto é, aqueles que foram condenados, mas que ainda têm possibilidade de recursos em instâncias superiores. A decisão foi esmagadora: nove votos contrários à inegibilidade dos condenados sem trânsito em julgado; um voto a favor, do atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ayres Britto; e um contra, mas nem tanto, do ministro Joaquim Barbosa, que opinou pelo veto ao candidato condenado em primeira instância, com julgamento confirmado em segunda - ainda sem trânsito definitivo, portanto.

A decisão do STF é particularmente importante menos por seu mérito, mas pelo fato de os ministros terem reconhecido limites ao seu poder de definição em matéria eleitoral. "Somos escravos da Constituição", afirmou a ministra Cármen Lúcia. O relator da matéria, Celso de Mello, justificou seu voto, contrário à pretensão da AMB, dizendo que o Judiciário não pode atuar como legislador e impor critérios de inelegibilidade que, reconheceu, não estavam previstos nem na Constituição nem na lei. Somente a alteração legislativa poderia mudar o fato de que são inelegíveis só os condenados com sentença transitada em julgado, afirmou.

Colocadas as coisas em seus devidos lugares - a lei e a Constituição são da competência do Congresso, cujos membros são eleitos democraticamente para fazer as leis e alterar a Constituição -, o STF deve integrar, como parte legítima, o debate sobre as mudanças necessárias para tornar os pleitos mais democráticos e garantir ao eleitor candidatos confiáveis. O presidente do STF, Gilmar Mendes, está dialogando com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, e com o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, para aprovar rapidamente a criação de varas especiais de Justiça, destinadas a julgar crimes de abuso de autoridade. Uma ação consensual no Congresso pode também ser de grande valia para desatar o nó que se estabelece em torno dos candidatos fichas-sujas. O excesso de garantias dado ao político que quer se candidatar, pela Constituição de 1988, respondia à realidade anterior, onde a simples apresentação de denúncia contra o político o tornava inelegível. Essa regra foi muito usada no governo autoritário para afastar opositores das urnas. O regime militar, ao fortalecer regionalmente chefes políticos ligados ao partido do governo, manteve a Justiça como extensão do poder do chefe local. Era normal que, num processo de democratização, os constituintes relativizassem ao máximo o poder da Justiça local de decidir a legitimidade dos candidatos.

Ocorreu simultaneamente a despolitização da Justiça de primeira instância, em função das garantias definidas pelo constituinte. Esse simples fato justifica que se retome esse debate. É preciso redefinir não apenas em qual instância o candidato tem que ser condenado para ter suspensos os seus direitos políticos, mas discutir igualmente as razões que levam a Justiça a se arrastar durante anos, muitas vezes negando ao eleitor uma sentença transitado em julgado. Os inúmeros julgamentos e recursos, os prazos fartos, os poderes demasiados de uma instância superior sobre a outra, que fazem os processos irem e virem sem que se tenha uma sentença transitada em julgado para apresentar ao eleitor, são igualmente perniciosos aos processos políticos.

Outro tema a ser debatido é o foro privilegiado, cuja justificativa remonta também à ditadura. Esse instrumento tem funcionado hoje como um importante instrumento protelatório de ações judiciais contra políticos. Esses problemas no âmbito judicial, via de regra, remetem a uma concentração de decisões nas mãos do STF, que não tem, como tribunal constitucional, vocação para Corte penal, e não pode, do ponto de vista operacional, dar respostas rápidas ao eleitor.

É tudo isso que deve ser colocado na mesa de discussões entre os poderes. Os entraves político-eleitorais e a morosidade processual são dois lados de uma mesma moeda.