Título: Foco no mercado interno ajuda bancos
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2008, Finanças, p. C3
Celina Vansetti, analista-chefe de rating de bancos da Moody's para América Latina: "Os ganhos de tesouraria são um talento natural dos bancos brasileiros" Os riscos cresceram. Mas o baixo grau de internacionalização e alavancagem dos bancos brasileiros ajuda essas instituições a enfrentar melhor a crise de liquidez e solvência no sistema financeiro internacional, na visão de analistas e gestores de fundos ouvidos pelo Valor. Não é à toa que os bancos brasileiros e os bancos chineses foram os únicos, entre os 25 maiores por valor de mercado segundo a Bloomberg, que tiveram valorização de suas ações desde o final de junho de 2007, antes do início da crise de hipotecas americanas.
Apesar do maior poder de fogo relativo dos brasileiros, seu foco estratégico no mercado interno torna essas instituições improváveis compradores de ativos bancários desvalorizados pelo mundo afora, papel assumido cada vez mais pelos bancos chineses. "O Brasil oferece aos bancos um dos melhores retornos sobre o capital", comenta Celina Vansetti, analista-chefe de rating de bancos da Moody's para América Latina.
Ela lembra que as margens de lucro deverão ser reduzidas em alguns produtos como o crédito consignado. A razão: há um teto máximo de juros a ser cobrado nesse tipo de crédito para aposentados e pensionistas e funcionários públicos, enquanto os custos de captação dos bancos crescem no mercado interno e externo. "Esse aumento de custo veio para ficar", afirma. Os bancos podem, no entanto, se voltar para outros produtos mais rentáveis, como o crédito para empresas, que já está se ampliando a um ritmo maior como mostram os balanços. "As instituições maiores e com maior capacidade de determinar preços terão vantagem", diz.
O prazo das captações dos bancos está encurtando, enquanto o prazo do crédito oferecido está se alongando. "O hedge é caro e muitas instituições acabam ficando expostas a um risco maior de descasamento entre ativos e passivos", diz.
O aumento nos juros internos vai provocar uma redução no ritmo do crescimento econômico e pode trazer maior inadimplência, acredita ela. "A qualidade das carteiras dos bancos pode piorar", afirma. Ela vê o risco de os bancos terem sido complacentes na concessão de crédito nos últimos anos, principalmente no que diz respeito ao crédito corporativo e para médias e pequenas empresas. "Empresas de diversos setores podem sofrer com o crescimento econômico mundial e brasileiro menores e com a própria redução na liquidez internacional", avalia a analista.
Ela lembra, no entanto, que os bancos brasileiros estão "acostumados" a conviver com cenários de inflação maior e juros mais altos. "Há muita gente treinada em instabilidade no Brasil", diz ela. "Os ganhos de tesouraria são um talento natural dos bancos brasileiros."
Com os juros altos oferecidos pelo governo brasileiro nos títulos públicos e tantas oportunidades no mercado interno, as tesourarias dos bancos brasileiros não tiveram de se arriscar no mercado de hipotecas americanas - nem as de maior risco, nem as de menor risco, nem de títulos securitizados ou carteiras desses títulos ou derivativos, lembra Peter Shaw, analista-chefe de bancos da FitchRatings para a América Latina. No início da crise, investidores internacionais que não conheciam os bancos brasileiros chegaram a ter suspeitas do contrário.
Mesmo nos últimos anos, com as tesourarias com menor peso nas receitas à medida que os juros passavam por um processo de redução que terminou em abril deste ano, as tarifas bancárias e a forte expansão no crédito - com spreads polpudos - continuaram a garantir receitas.
Apesar de aquisições feitas na América Latina - o Itaú, por exemplo, tem ativos no Chile, Argentina e Uruguai -, os bancos brasileiros vieram nos últimos anos concentrando seus esforços na expansão no crédito no mercado interno. "O foco nunca deixou de ser o Brasil", diz Shaw.
Segundo a Fitch, o crédito no Brasil passou de 20% do Produto Interno Bruto em 2003 para 50% em 2007. "Durante esse crescimento, os fundamentos do sistema bancário brasileiro e de seus principais participantes se mantiveram sólidos, e o sistema está bem posicionado para absorver mais pressões de crescimento de portfólio", diz a Fitch. Depois que o sistema jurídico de retomada de garantias se aperfeiçoou e que o menos arriscado crédito consignado ganhou volume, a diversificação dos ativos dos bancos só fez reduzir o risco percebido no sistema, avalia a Fitch.
E, apesar de todo esse crescimento do crédito, na média dos 50 maiores bancos brasileiros, o índice de capitalização (Basiléia - relação entre o capital e os ativos ponderados pelo risco) estava nos "robustos" 17,3% no final do ano passado, quando o exigido pelo Banco Central como mínimo é 11%. Considerando-se somente o capital de nível 1, era ainda de 12,7%. "Os bancos brasileiros estão capitalizados e preparados para enfrentar as pressões de aumento de custo de captação", concorda o analista do Mario Pierry, do Deutsche Bank.
Celina Vansetti lembra que os pools de liquidez no mercado externo para comprar títulos de bancos brasileiros secaram. "Várias emissões de bancos foram abortadas", comenta. Mas, na média dos 50 maiores bancos, não mais do que 10% dos passivos totais eram externos no final de 2007, diz a Fitch.
Após mais de um ano de crise, diferentemente de seus parceiros internacionais dos países ricos, os bancos brasileiros continuam com folga de capital e não têm precisado de injeção diária de recursos do Banco Central para girar seu caixa. Longe disso. A rentabilidade dos bancos maiores e até de instituições de médio porte sobre o patrimônio continua elevada, alguns na cada dos 30%.