Título: Pressão dos custos
Autor: Fregoni, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2008, EU & Investimentos, p. D1

A inflação começa a deixar marcas nos balanços das empresas. A amostra dos primeiros resultados divulgados aponta uma significativa pressão de custos, que tirou o vigor do crescimento dos lucros das companhias abertas no segundo trimestre do ano.

As 69 empresas não financeiras que soltaram os números do trimestre registraram crescimento de apenas 1,8% no lucro líquido, em relação ao mesmo período do ano passado, para um total de R$ 5,7 bilhões, segundo levantamento do Valor Data. Essa amostra exclui a Vale do Rio Doce, pois os números da mineradora distorcem os dados.

A receita líquida dessas companhias subiu muito mais que o lucro, 26,7%, para um total de R$ 87,0 bilhões. A diferença entre o crescimento da receita e o do resultado final é explicada, principalmente, pela elevação de 30,8% no custo dos produtos vendidos, que passou a R$ 61,6 bilhões no segundo trimestre do ano.

"O encarecimento das matérias-primas pressiona os resultados porque o repasse ao consumidor é mais lento, com exceção dos casos de monopólio e oligopólio, que conseguem elevar com rapidez os preços dos produtos vendidos", explica o professor William Eid Jr., da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Descontando-se a inflação dos últimos 12 meses (IPCA de 6,06%), os resultados seriam ainda menos imponentes. As empresas teriam apresentado queda de 4% no lucro. No resultado sem o ajuste da inflação mas com os dados da Vale, também haveria queda. Nesse caso, o resultado final das companhias abertas cairia 10,4%, para R$ 10,3 bilhões.

Os setores dependentes de commodities são os mais prejudicados pela inflação, destaca a chefe de análise da Ativa Corretora, Luciana Leocádio. No segmento de alimentos, em que várias empresas já divulgaram os resultados do trimestre, os estragos podem ser facilmente identificados.

O frigorífico JBS, maior produtor global de carne bovina, fechou o segundo trimestre com margens em queda e prejuízo de R$ 364,4 milhões, comparado a um lucro de R$ 38,7 milhões em igual intervalo de 2007. E a perspectiva da empresa é que as margens continuem se deteriorando por conta do quadro de escassez de boi gordo, cujo preço está subindo no país.

A Perdigão sofreu com os preços mais altos de matérias-primas como milho, farelo de soja e leite e também gastou mais com embalagens e fretes, que acompanham o valor do barril de petróleo. Dessa forma, o custo dos produtos vendidos subiu 97,4%, para R$ 2,2 bilhões, superando o avanço de 85,2% da receita líquida, que ficou em R$ 2,8 bilhões. A concorrente Sadia notou um aumento de até 50% nos insumos agrícolas. Como conseguiu repassar boa parte dos custos, ainda elevou o lucro em 9,6%, para R$ 119,9 milhões.

Mas há exemplos de pressão de custos também em outros setores. A Marcopolo, que produz carrocerias, apresentou queda de 12,2% no resultado líquido, para R$ 25,8 milhões, devido, entre outras coisas, ao maior gasto com frete.

Analisando-se individualmente as empresas que já divulgaram o balanço do trimestre, a maioria (54) teve melhora de resultado líquido, na comparação com igual período de 2007. Entretanto, metade (35) apresentou queda na margem líquida, que é a relação entre resultado e receita. Isso mostra que, embora o resultado tenha melhorado, não foi suficiente para acompanhar o crescimento da receita. A margem líquida das 69 empresas, sem a Vale, recuou de 8,2% para 6,6%.

Outra variável que vem sendo importante nos balanços é o câmbio. Nas empresas exportadoras, a valorização do real diante do dólar é um fator amplamente negativo, pois reduz a receita com as vendas externas, lembrou o chefe de análise da Bradesco Corretora, Carlos Firetti. No caso das endividadas em moeda estrangeira, porém, o efeito é contrário.

A variação cambial foi o que salvou a petroquímica Braskem do prejuízo no segundo trimestre, ao reduzir o endividamento e propiciar um resultado bastante positivo na linha de operações financeiras. A empresa fechou o período com dívida bruta 6% menor, em R$ 8,8 bilhões, devido à desvalorização do dólar, visto que 70% do passivo é atrelado à moeda americana. A companhia lucrou R$ 383 milhões, alta de 36%.

O ganho financeiro da Braskem e da Gerdau garantiu uma melhora geral no resultado financeiro da amostra de empresas que já soltaram os balanços. As companhias passaram de perda de R$ 75,7 milhões no segundo trimestre de 2007 para ganho de R$ 445,1 milhões agora. Sem as duas companhias, porém, haveria um aumento da perda financeira no trimestre.

A dívida líquida das empresas subiu 26,5%, para um total de R$ 68,7 bilhões, para fazer frente ao aumento da produção e aos investimentos. Mas a situação financeira das companhias não preocupa, de acordo o chefe de análise da Ágora Corretora, Marco Melo. "Boa parte possui dívida correspondente a um ou duas vezes o [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] , o que mostra um risco muito baixo", afirma.

Para os balanços que ainda serão divulgados, a expectativa é que a tendência de forte crescimento da receita se mantenha. "O crédito é o motor do aumento das vendas das companhias e manteve-se em ritmo muito forte no segundo trimestre, apesar da elevação dos juros", diz o professor da FGV.

A chefe de análise da Ativa acredita que os custos devem corroer os resultados de várias empresas. "O setor de aviação, por exemplo, deve apresentar resultados muito afetados pelo aumento do petróleo", afirma. Por outro lado, companhias que possuem contratos com clientes atrelados a índices inflacionários, como os shoppings centers, devem se sair bem.