Título: Com ajuste fiscal, país tenta conter agravamento da crise
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2008, Internacional, p. A11
Após a derrota no Congresso, em julho, da tentativa de aprovação de um aumento dos tributos sobre a exportação de grãos, o governo argentino deu início a um ajuste fiscal para compensar a perda de arrecadação e fazer frente ao pagamento dos juros da dívida. O bilionário esquema de subsídios que sustenta a política econômica argentina há seis anos, que começou a ser desarmado em janeiro com um reajuste nas tarifas de transportes públicos, terá uma redução estimada em US$ 100 milhões com um reajuste de energia elétrica entre 10% e 30%, anunciado há dez dias. Ambos, transportes e energia, estavam com preços congelados desde 2003.
Também estão sendo cortados repasses às províncias e novos aumentos de tarifas estão para ser anunciados. Para este ano, os compromissos com a dívida no valor de US$ 8 bilhões estão equacionados. Mas há grande incerteza sobre como a Argentina vai arrumar os US$ 16 bilhões que vencem em 2009.
Os ajustes anunciados até agora não convenceram o mercado financeiro, que desde o início de agosto vem fugindo dos títulos da dívida argentina, jogando para baixo as cotações. Há uma cobrança cada vez maior sobre o governo, não só do mercado, mas de quase todos os economistas e analistas independentes e também da oposição, por conta da falta de uma política de controle da inflação e da suspensão das negociações para o pagamento da dívida com o Clube de Paris.
Na semana passada, as duas maiores agências internacionais de risco de crédito, Moody´s e Standard and Poor´s, ameaçaram revisar para baixo a nota da Argentina. Com isso, as cotações dos títulos da dívida externa mais negociados, o Discount em pesos e o Boden 12 (vencimento em 2012), desabaram.
O título Discount caiu 3,7% na sexta-feira e o Boden 12 caiu 2,07%. No ano, o Discount acumula baixa de 17% e o Boden 12, de 16,8% . Os papéis da dívida argentina já vinham caindo fortemente há vários dias, desde que o Ministério da Economia do país confirmou a venda de títulos Boden 15 (vencimento em 2015) para a Venezuela, no valor de US$ 1 bilhão.
Por esse empréstimo contraído com a Venezuela, a Argentina vai pagar 14,88% ao ano, acima dos 12,9% comprometidos em igual emissão ao país vizinho feita em maio. É ainda o dobro do que a Venezuela cobrava para lançar o Bônus do Sul, um papel de rendimento composto entre os TICC venezuelanos e os Boden 12 e 15 da Argentina. Nas primeiras emissões do Bônus do Sul, em 2006, os Boden 12 pagavam 5,49% flutuantes e os Boden 15, uma taxa de 7%, fixa.
A Venezuela tem sido o único, entre os poucos países "amigos" da Argentina, a financiar o governo do casal Néstor e Cristina Kirchner. Desde 2006, quando começou a comprar papéis argentinos, o presidente Hugo Chávez já autorizou a compra de US$ 7,4 bilhões em títulos. É uma ajuda mais que bem-vinda, já que a Argentina perdeu o acesso ao crédito internacional desde o calote ("default") da dívida externa, na crise de 2002. O clima no mercado azedou quando analistas começaram a questionar: se Chávez, que é um "amigo", cobra uma taxa tão alta, o que cobraria o mercado se a Argentina pudesse voltar a ter crédito?
A presidente Cristina Kirchner está preocupada com a reação dos mercados e ontem, após reunião com seu ministro da Economia e o presidente do Banco Central argentino, autorizou o BC a recomprar títulos da dívida externa em pesos e em dólares a partir desta segunda-feira. O objetivo é dar "um forte sinal aos mercados quanto ao cumprimento das obrigações financeiras", informou a agência oficial de notícias Telam no início da noite.
"O problema é a inflação alta, que começa a gerar pressões fiscais, com salários e aposentadorias, e a queda da arrecadação por conta da baixa no ritmo de crescimento econômico", explica o economista David Mermelstein, da Consultoria Econviews. Além disso, lembra Mermelstein, há um fator novo no horizonte que pode comprometer a arrecadação do estado argentino, que é a queda dos preços das commodities no mercado internacional.