Título: Fundo soberano brasileiro: uma boa idéia?
Autor: Sias , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2008, Opinião, p. A11

A tão aguardada política industrial do governo Lula, mesmo abrangendo diversos setores da economia brasileira, não apresentou nenhuma grande novidade, embora tenha o mérito inegável de pensar o longo prazo. A queda dos spreads do BNDES e as desonerações fiscais, por exemplo, nada mais são do que "mais do mesmo". Há, entretanto, uma medida que, embora tímida em seu escopo inicial, pode ser muito poderosa no futuro: a criação de um fundo de riqueza soberana para o Brasil, já batizado de Fundo Soberano do Brasil (FSB).

Os fundos soberanos são fundos de investimentos dos Estados. Com pouca necessidade de liquidez imediata e na posse de grandes reservas cambiais, esses Estados resolveram "poupar" o excesso de reservas (daí a analogia ao "cofrinho" feita pelo ministro Guido Mantega) em outros ativos financeiros, que não os títulos do tesouro americano, que dão um retorno diminuto.

Os fundos soberanos chamaram a atenção do mundo com a eclosão da crise dos subprimes nos EUA. Grandes bancos como o Citibank e o UBS, se capitalizaram com recursos desses fundos e só assim escaparam do risco de falência. Investimentos desses fundos deixam os dirigentes do mundo desenvolvido em alerta e o FMI já incorporou a missão de criar um "código de conduta" para os fundos: é a geopolítica se misturando com o mundo financeiro.

A proposta do FSB é interessante por três aspectos: primeiro, sinaliza a diminuição dos gastos governamentais, uma vez que os recursos do fundo virão, inicialmente, de um superávit primário maior, que embora não reduza a relação dívida/PIB, ajuda na contenção da demanda interna facilitando o trabalho do Banco Central. Isso contribui indiretamente na redução da taxa de juros e, conseqüentemente, diminui-se a pressão baixista sobre a taxa de câmbio.

Em segundo lugar, atenua o problema da apreciação cambial diretamente, uma vez que vai retirar dólares do mercado brasileiro e direcioná-los para o exterior.

Por último, mostra uma preocupação de longo prazo com relação às descobertas futuras de petróleo na costa brasileira e seus efeitos do tipo "doença holandesa", pois se confirmado o gigantismo das reservas descobertas pela Petrobras, tudo indica que seremos grandes exportadores de petróleo.

O formato inicial do FSB previa que o Tesouro concentraria os recursos do fundo, usando-os para comprar debêntures do BNDES emitidas no exterior. O BNDES, por sua vez, usaria esse novo funding para financiar grandes empresas brasileiras no exterior a custos subsidiados.

No entanto, financiar a internacionalização de empresas nacionais, como proposto inicialmente pelo Ministério da Fazenda, não diversifica o risco econômico do país. Também é questionável, do ponto de vista estratégico, fazer uso de subsídios para financiar empresas que já têm acesso a crédito barato no sistema financeiro nacional e internacional, principalmente após a obtenção do investment grade pelo Brasil.

O ideal seria a compra de ativos financeiros privados no exterior, que é o principal instrumento de "poupança" de um fundo de riqueza soberana "convencional".

-------------------------------------------------------------------------------- Há evidências empíricas de que não convém ser um eterno refém do preço das commodities, historicamente voláteis --------------------------------------------------------------------------------

O BNDES já administra diversos fundos governamentais e conta com uma experiente área de mercado de capitais, também deveria gerir o fundo soberano. Isso poderia ser feito através da criação de uma nova área de mercado de capitais, desta vez voltada para analisar ativos no exterior e investir o "excesso" de receitas fiscais/cambiais.

Está na hora de criar a BNDES Participações Internacionais - BNDESPARINTER. Essa solução seria melhor do que a complexa "engenharia financeira" aventada até agora, ou mesmo a criação de um fundo de reservas em reais.

Muitos argumentam que o Brasil não conta com as precondições para constituir um fundo desse tipo, como superávit nominal nas contas públicas, taxa de juros interna inferior às taxas de juros internacionais e receitas de exportação concentradas em um único produto, como o petróleo. No entanto, essas são condições secundárias, tendo em vista as principais funções de um fundo desse tipo: conter uma excessiva apreciação da taxa de câmbio e promover um ajuste anticíclico por parte da política econômica governamental. Alguns fundos estabelecem ainda a partilha intertemporal das receitas provenientes dos recursos não-renováveis para as gerações posteriores, como no caso norueguês.

A Noruega instituiu um fundo soberano justamente para manter uma taxa de câmbio realista e pouco instável e promover uma "justiça intergeracional" para as receitas do petróleo, que um dia acabarão.

Como grande produtora de petróleo, nos tempos de bonança "poupa" parte da receita proveniente das exportações de petróleo; quando o preço da commodity cai, usa os rendimentos do fundo para evitar overshootings cambiais, que sempre trazem consigo choques inflacionários e aumento dos juros, com efeitos perversos para a economia como um todo.

Qual a semelhança do Brasil com a Noruega? Ora, não se pode negar, afinal, que a volta do crescimento brasileiro se deu devido a um choque extremamente favorável no preço das commodities, que representam boa parte da nossa pauta exportadora. Isso é que está possibilitando o nosso crescimento mais robusto dos últimos 25 anos, efeito também observado nos demais países ricos em recursos naturais, como o Chile, Rússia, Dubai, Kuwait e a própria Noruega. Todos esses países já criaram seus fundos soberanos.

Se quisermos entrar nessa nova "onda", a Noruega e seu fundo soberano, e o Government Pension Fund-Global, podem servir de exemplo para o Brasil.

A evidência empírica nos mostra que não convém virarmos eternos "reféns" dos preços das commodities, historicamente voláteis. Mesmo que os preços mais altos desses produtos reflitam uma mudança estrutural da economia mundial em virtude da ascensão da China, um dia as "bolhas" estouram e os movimentos baixistas se instalam.

Deveríamos "enxugar" o excesso de divisas agora para poupar as gerações futuras de solavancos no câmbio.

Rodrigo Sias é economista do BNDES e mestrando do IE-UFRJ.

E-mail: rsias@bndes.gov.br

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