Título: Mudança climática ameaça lavouras
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2008, Agronegócios, p. B12

O aquecimento global pode provocar perdas agrícolas de R$ 7,4 bilhões nas safras de grãos do Brasil, em 2020. Se as mudanças climáticas forem severas, os prejuízos dobram e batem em R$ 14 bilhões em 2070. A soja deve ser a cultura mais afetada.

O mapa da agricultura nacional será outro assim que a temperatura da Terra começar a subir. O café, suspeita-se, procurará climas mais frios e a área de cultivo tende a ser menor em São Paulo e Minas, aumentando nos Estados do Sul. Milho, arroz, feijão, algodão e girassol perdem área de cultivo e produção. Apenas a mandioca, entre os alimentos mais importantes do país, pode se beneficiar com o calor maior, mas será muito atingida no Nordeste. Para a cana-de-açúcar a alta dos termômetros tem impacto positivo, no primeiro momento, e o plantio pode duplicar.

As previsões estão no estudo "Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira", da equipe de Eduardo Delgado Assad, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, e do professor Hilton Silveira Pinto, da Universidade de Campinas e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri). O trabalho envolveu 19 pesquisadores e teve apoio da embaixada do Reino Unido.

O impacto das mudanças do clima provocadas pelos gases-estufa foi analisado em nove das principais culturas brasileiras, responsáveis por 86% do total de área plantada no País - algodão, arroz, café, feijão, girassol, mandioca, milho e soja, além da cana-de-açúcar, a única que pode colher algum resultado positivo com o aquecimento. Isso porque diminui o risco de geada no Sul, e as temperaturas se tornam mais propícias ao cultivo. "Não precisamos nos preocupar com a cana na Amazônia", diz Assad. "Mas o Brasil é vulnerável, e a mudança climática ameaça nossa segurança alimentar."

A soja parece realmente uma cultura de alto risco no Sul do Brasil, de acordo com o estudo. Em 2070, nos piores cenários, as perdas podem chegar a 40%, com deficiência hídrica e veranicos mais intensos. "Precisamos investir rapidamente no melhoramento genético", aconselha o pesquisador. O café arábica, que aborta flores em altas temperaturas, é outro cultivo fragilizado. Em 12 anos, o milho pode ter uma redução de 12% na área favorável ao plantio. Arroz e feijão perdem, respectivamente, R$ 368 milhões e R$ 155 milhões, na melhor das hipóteses.

Com a mandioca acontece algo curioso, a confirmar as previsões. A cultura, que não se dá bem em regiões de muita chuva ou de temperaturas baixas, tende a ter sua área de cultivo ampliada. Pode crescer na Amazônia (em decorrência da diminuição das chuvas) e no Sul do país. Mas é um crescimento equivocado. "A mandioca vai sofrer grandes perdas no Nordeste, uma região muito atingida no Brasil se não fizermos nada", alerta Assad. "Temos que discutir o modelo de produção do Nordeste", continua, sugerindo que se abra o mercado para produtos locais como as frutas umbu e cajá, xique-xique ou mandacaru. "Vai ser preciso ajudar o Nordeste a ter opções", continua.

Assad vê oportunidades no panorama sombrio. "O Brasil é o maior conhecedor de agricultura tropical do mundo. Temos competência e gente preparada, sabemos o caminho, mas precisamos investir muito", diz. É preciso mitigar, reduzir a emissão de gases-estufa e sequestrar carbono da atmosfera.

As projeções foram feitas com base em modelos do Hadley Center, da Inglaterra, e trabalharam com duas das possibilidades previstas pelo IPCC, o braço científico das Nações Unidas - aumento de temperatura de 1,4 oC a 3,8 oC no fim deste século, no cenário mais otimista, ou com altas de 2 o a 5,4 ono pior dos mundos.