Título: Brasil faz último esforço para ressuscitar Doha
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2008, Brasil, p. A3

Alertado pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, de que só com boa vontade dos governos haveria uma chance, pequena, de salvar a Rodada Doha, de liberalização comercial entre os países da Organização Mundial do Comércio (OMC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu fazer do tema prioridade, neste mês. Lula quer o governo brasileiro empenhado em convencer outros países a uma última investida, até setembro, para garantir um novo encontro de negociadores, na tentativa de um acordo modesto.

Depois de falar sobre o tema, na abertura da Olimpíada de Pequim, com os presidentes dos Estados Unidos, George W. Bush, e da França, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro chinês, Hu Jintao, Lula telefonou ontem ao primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, e planeja falar, ainda nesta semana, com o primeiro-ministro inglês, Gordon Brown. "Depois de atravessarmos um oceano, corremos o risco de morrer na praia", argumentou Lula, no telefonema a Singh, e ouviu do indiano a promessa de que a Índia trabalhará, com o Brasil, para tentar salvar a rodada neste ano.

Logo após a conversa, o ministro de Comércio da Índia, Kamal Nath, telefonou a Amorim, para combinar uma discussão sobre propostas para salvar as negociações - na avaliação dos especialistas, sem acordo neste ano, Doha não será retomada antes de 2010. Lula se preocupa em deixar a rodada como uma das marcas de seu governo e chegou a usar o argumento na conversa com Bush, a quem argumentou que a guerra no Iraque não deveria ser o fato marcante pelo qual a gestão do americano passará à história. Bush poderia ser visto como o presidente que destravou Doha, insistiu Lula.

Ao ouvir de Manmohan Singh que a Índia está preocupada com os pequenos agricultores, Lula argumentou que o Brasil também têm a proteger a própria agricultura familiar e que o adiamento da rodada porá a perder o esforço já feito e os ganhos já obtidos, como a redução do limite para os subsídios à exportação agrícola e os subsídios aos produtores europeus e americanos, que distorcem os preços agrícolas internacionais.

Enquanto Lula tenta engajar os chefes de Estado, Amorim busca, mais uma vez, contornar as divergências entre os ministros que comandam a negociação. Há duas semanas, falou com a representante comercial da Casa Branca, Susan Schwab, de quem sentiu interesse em buscar o acordo, mas não recebeu nenhuma "idéia nova", segundo reconheceu após a conversa.

O embaixador Roberto Azevedo, principal negociador brasileiro em Genebra, disse ontem, em São Paulo, que existe uma "estreita janela de oportunidade" que o Brasil quer aproveitar. A tentativa esbarra em um calendário político cada vez mais apertado com eleições nos Estados Unidos no fim do ano e na Índia em 2009.

"Eu me sinto como se tivesse correndo uma maratona, mas não sei onde está a linha de chegada", comparou Azevedo. "A Rodada Doha só morre quando o maratonista sentar ao lado da estrada e entregar os pontos. Enquanto eu estiver correndo, tenho a esperança de que a chegada apareça." Segundo o embaixador, o "Brasil não pode ditar os rumos do mundo", mas se os demais parceiros estiverem dispostos, o país vai se engajar e tentar romper o impasse.

Azevedo confirmou que uma série de contatos telefônicos entre presidentes, ministros, e negociadores-chefe está ocorrendo para tentar ressuscitar a Rodada Doha. "O que conspira a favor é a percepção de que o que faltou não era aparentemente um obstáculo insuperável. O que não ajuda é a fadiga, já que estamos negociando a muitos anos", disse Azevedo.

Embora ainda remota, a perspectiva de retomar as negociações em setembro pegou o setor privado brasileiro desprevenido. "Estou surpresa, mas acho que essas conversas são reais", disse Soraya Rosar, coordenadora da área de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para Mario Marconini, diretor de negociações internacionais da Fiesp, é difícil prever se a tentativa será bem sucedida, porque o impasse é altamente político. "Se há vontade política, às vezes, vem como uma onda forte", disse.

Azevedo explicou que os ministros e os negociadores estão tentando, nessas conversas por telefone, verificar se existe uma solução para as salvaguardas especiais, tema que provocou o colapso das negociações, e se há outros assuntos que também poderiam levar ao impasse. As respostas para essas perguntas, disse ele, é que vão definir se vale a pena mais um esforço nas próximas semanas.

Azevedo acrescentou que já conversou com vários de seus pares e até agora não verificou outro ponto com potencial de paralisar a Rodada, mas frisou que "surpresas acontecem". Quando as discussões foram interrompidas em Genebra, ainda faltavam dois temas que interessam muito ao Brasil: algodão e etanol. "Tenho a expectativa de conseguir bons resultados nessas áreas", disse.

Para a questão das salvaguardas especiais, uma espécie de mecanismo de proteção dos países pobres contra importações agrícolas, ainda não parece haver um caminho. Segundo Azevedo, o problema não é "insuperável". "A minha impressão é que se tivéssemos mais quatro, cinco dias em Genebra, resolveríamos esse problema, mas o tempo acabou", afirmou.

"A Rodada Doha terá a prioridade que sempre teve na política comercial brasileira", disse Azevedo. "Há temas que são cruciais e que não vamos resolver em acordos bilaterais como regras e subsídios", completou. Ele ressaltou, no entanto, que isso não significa que o Brasil não tentará fechar acordos bilaterais. E voltou a insistir que a UE já informou que só negocia com o Brasil quando Doha estiver concluída ou fracassar de vez. "Para dançar um tango, é preciso dois. Não posso dançar sozinho", disse.