Título: Temos que transformar nossos mortos em heróis, não em vítimas, diz Lula
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2008, Política, p. A8

Em meio às discussões da revisão da Lei da Anistia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que o país precisa ver os mortos da época como heróis e deixar de considerá-los como vítimas. "Toda vez que nós falamos dos estudantes, dos operários que morreram, nós falamos xingando alguém que os matou, quando, na verdade, esse martírio nunca vai acabar se a gente não aprender a transformar nossos mortos em heróis, não em vítimas, como a gente costuma tratar todas as vezes. Imagine se a Frente Sandinista ficar se lamentando tudo que Somoza (Anastacio Somoza, ditador da Nicarágua de 1967 a 1979) matou. Imagine se Fidel Castro (ex-presidente de Cuba) ficar se lamentando de todos que o Batista (Fulgêncio Batista, ditador de Cuba de 1952 a 1959) matou", afirmou Lula em solenidade de assinatura de indenização à União Nacional do Estudantes (UNE) pela destruição de sua sede, localizada no Flamengo, durante o regime militar.

A sede da UNE foi incendiada no dia do golpe militar, em 1º de abril de 1964. Em 1980, o prédio foi demolido a mando do então presidente, João Figueiredo. Em seu discurso, Lula disse que o único herói do qual nos lembramos é Tiradentes, revolucionário da Inconfidência Mineira, morto em 1792. "Nós precisamos cultuar os nossos heróis, somos uma pátria em que se perguntar aqui ninguém tem nome de um herói. Todo mundo vai lembrar de Tiradentes. E o Brasil é um país que tem muitas lutas importantes, extraordinárias."

Para justificar o seu ponto de vista, Lula citou o caso dos três operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) mortos pela polícia e pelos militares em novembro de 1988 em Volta Redonda (RJ) durante greve. "Ninguém se lembra dos nomes deles. A gente não constrói a memória das coisas boas que acontecem na nossa vida. A gente não consegue sequer avaliar se a morte foi apenas um sofrimento de quem morreu ou dos parentes ou a morte é uma motivação para a gente construir os heróis moldados naqueles que se sacrificaram", disse. Defendeu que nas sedes da UNE e dos sindicatos, exista a fotografia e a história dos que foram mortos. "Porque nós tanto amamos eles apenas como vítimas e não contamos a história. Ninguém sabe quem é e, portanto, nunca virarão heróis", afirmou.

A UNE foi um dos principais focos de resistência democrática nos anos 60, onde muitos dos políticos de hoje se iniciaram, como o governador de São Paulo, José Serra (PSBD), presidente da UNE em 1964. Serra, adversário de Lula nas eleições de 2002, sentou-se no mesmo palco do presidente ontem. Em discurso, Serra lembrou da importância da UNE na resistência ao regime militar. Em entrevista, disse que a discussão em torno da tortura deve ser feita pela Justiça e não pelo Executivo, mesma posição que o governo adotou após o ministro da Justiça, Tarso Genro, ter defendido que a tortura deve ser considerada crime comum e ficar fora da Lei da Anistia. Serra, assim como governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que também iniciou a carreira no movimento estudantil, foram vaiados pelos estudantes .

Na semana passada, estudantes ligados à UNE protestaram em frente ao Clube Militar, onde militares repudiaram as declarações de Genro sobre tortura. Ontem, contudo, a presidente da UNE, Lúcia Stumpf, não comentou o assunto. O presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, Ismael Cardoso, disse que as entidades nada têm contra as Forças Armadas, mas defendem a reparação a quem sofreu no período. A mensagem do Executivo que prevê a indenização à UNE para a construção de um novo prédio será levada para votação no Congresso como projeto de lei. O Ministério da Saúde assinou ontem convênio para a realização da "Caravana da UNE". Um ônibus percorrerá 41 universidades do país para discutir temas de saúde, educação e cultura em parceria com a entidade.