Título: Recessão dos EUA fazendo história
Autor: Baum , Caroline
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2008, Opinião, p. A13
Os historiadores estão constantemente reexaminando o passado na esperança de lançar uma nova luz sobre eventos que aconteceram décadas ou séculos atrás. Em alguns casos, o revisionismo pode ser uma tentativa de fazer o passado se adaptar aos padrões politicamente corretos de hoje.
Não é nem um pouco diferente com a história econômica. Não existe muita diferença, aritmética ou experimentalmente, entre um aumento no PIB americano de 0,6% (história antiga) e uma redução de 0,2% (história revisionista) no quarto trimestre do ano passado. Há oito meses, o mercado habitacional ainda estava implodindo, as inadimplências nos empréstimos ainda estavam crescendo e os preços dos alimentos e da energia ainda estavam abocanhando uma fatia maior do orçamento familiar.
O que o sinal de menos no quarto trimestre faz é facilitar - de forma mais politicamente correta, por assim dizer - para o árbitro oficial do ciclo econômico dos Estados Unidos, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos do Birô Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês), declarar uma recessão, presumindo que os indicadores coincidentes que monitora continuem se deteriorando.
Nas suas revisões comparativas anuais para 2005 a 2007, o Birô de Análise Econômica (BEA, na sigla em inglês) revisou o PIB real para baixo em 0,2 ponto percentual ao ano (com base na comparação entre um quarto trimestre e outro quarto trimestre). Esta retificação camufla enormes oscilações de trimestre a trimestre. Por exemplo, um vigoroso crescimento de 4,8% tanto no segundo como no terceiro trimestre de 2007 foi colocado entre duas extremidades fracas: o PIB cresceu 0,1% no primeiro trimestre e diminuiu 0,2% no quarto.
A primeira conjetura do BEA quanto ao crescimento do PIB no segundo trimestre de 2008 foi 1,9%. A queda no nível dos estoques subtraiu quase dois pontos percentuais do crescimento, enquanto o decrescente déficit comercial acrescentou 2,4 pontos percentuais, o maior em quase três décadas.
Metade da melhora na balança comercial foi resultado de um declínio anualizado de 6,6% nas importações reais, de acordo com os economistas do Goldman Sachs. "Importações não caem tão acentuadamente numa economia robusta, pelo menos não nos EUA", escreveram, em nota aos clientes.
O investimento residencial caiu 15,6%, a menor queda em um ano. Os gastos dos consumidores cresceram 1,5%, aquém das estimativas, mesmo com o presumido estímulo dos extraordinários cheques de devolução de imposto de renda. Até o fim do segundo trimestre, o Tesouro havia distribuído US$ 78,3 bilhões em devoluções como parte de um programa de incentivo econômico.
-------------------------------------------------------------------------------- É necessário pagar um prêmio de risco maior quando os bancos estão restringindo o crédito, por isso os juros dos EUA não subirão tão cedo --------------------------------------------------------------------------------
Existe um motivo mais importante para os economistas e estatísticos estarem interessados em história econômica. Eles ficam constantemente construindo (e desmontando) modelos econométricos, criando índices e saindo em busca de indicadores que lhes confiram uma vantagem na previsão. Por algum motivo, a maioria deles deixa de atentar para a mensagem na curva de rentabilidade, um dos mais confiáveis prognósticos de recessão. A inclinação da curva de rendimento - a diferença entre uma taxa de curto prazo sob o direto controle ou influência do banco central e uma taxa de longo prazo determinada pelo mercado - tem sido um dos melhores indicadores de recessão ao longo do meio século passado. Sua excelente reputação levou o Conference Board (organização privada dos EUA que promove debates e pesquisas sobre a economia) a acrescentar essa diferença ao seu Índice de Indicadores Econômicos Antecedentes na retificação de 1996.
Quando a curva está invertida - quando a autoridade monetária mantém a taxa básica de juros acima da taxa de longo prazo - o fato pressagia maus tempos adiante. No ciclo atual, a diferença entre a taxa básica do Fed e as taxas do Tesouro americano para 10 anos foi invertida numa base mensal desde julho de 2006 até dezembro de 2007. As autoridades do Fed ignoraram a mensagem até o sistema financeiro explodir nas suas caras.
Formuladores de política argumentaram que a "superabundância de poupança global" estava mantendo as taxas em nível baixo (o motivo é irrelevante). Quase todo o resto do mundo fez pouco caso da diferença, alegando que a economia não declina quando as taxas de juros estão baixas, com ou sem inversão.
Talvez, apenas talvez, a curva de rendimento invertida tenha contribuído para o infortúnio dos bancos. No fim do ano passado, depois dos bancos terem começado a confessar francamente a magnitude dos seus prejuízos, o colunista do New York Times Floyd Norris colocou tudo em perspectiva. "Devíamos ter sabido que algo estava estranho", escreveu Norris, em coluna de 16 de novembro. "Os bancos estavam apresentando resultados muito melhores do que deveriam".
Bancos tomam a curto prazo e emprestam a longo prazo. Eles lucram generosamente devido à existência de uma curva de rendimento com inclinação ascendente. Eles podem tomar emprestado às taxas do banco central e investir em títulos livres de risco do Tesouro dos EUA e acumular bons lucros.
À época, a curva estava com inclinação neutra ou invertida, e os prêmios de risco de crédito estavam historicamente baixos, assinalou Norris. "No entanto, os papéis dos bancos estavam aquecidos, portanto eles reportaram lucros".
Eu me lembro de ter me aborrecido por não ter juntado todas as peças. Bancos, como já sabemos, estavam chafurdando em lixo classificado com a mais alta classificação de crédito na sua notória busca por lucro. Eles foram longe demais e estão pagando o preço.
O que a curva de rendimento está nos dizendo agora? A diferença de 200 pontos-base entre a taxa básica do Fed e o rendimento dos títulos do Tesouro para 10 anos é indicativa de uma política monetária expansionista em tempos comuns. Os tempos dificilmente podem ser considerados comuns. Períodos anteriores de convulsão no sistema bancário - o início dos anos 1990, por exemplo - exigiram um período prolongado de curva de rendimento quase vertical (400 pontos-base em 1992) para permitir que os bancos se revigorassem.
É necessário um prêmio de risco maior para obter o mesmo resultado quando os bancos estão optando por restringir a disponibilidade de crédito, ou, pior, encolhendo os seus balanços patrimoniais para melhorar os índices de capitalização.
Este é o motive isolado mais importante, que explica porque o Fed provavelmente não elevará tão logo a sua taxa referencial, atualmente em 2%. O segundo motivo é que é politicamente incorreto, para não dizer arriscado, elevar taxas numa recessão.