Título: Massa salarial sustenta vendas do varejo e ameniza desaceleração
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2008, Brasil, p. A4
O crescimento expressivo da massa salarial tem sido fundamental para impulsionar as vendas do comércio varejista. Aliada à melhora da qualidade do emprego, com o forte aumento dos postos com carteira assinada, a expansão da massa deverá ser importante para tornar mais brando o ciclo de desaceleração da economia que se espera para os próximos meses, ainda que o avanço da ocupação e do rendimento percam fôlego daqui para frente.
A pujança do mercado de trabalho fica clara quando se analisa a evolução da massa salarial nominal de dezembro de 2005 a maio deste ano: no período, ela cresceu 25,9%, uma expansão fundamental para explicar a alta de 27,2% registrado pela receita nominal do varejo no período. O rendimento nominal do trabalho, por sua vez, teve aumento de 18,9%, evidenciando que a ocupação teve papel importante na elevação da massa nominal.
O momento positivo do varejo também se deve à alta firme do crédito nos últimos anos, mas os analistas ressaltam que a própria expansão de empréstimos e financiamentos decorre em boa parte dos avanços no mercado de trabalho. A melhora do emprego e da renda dá mais confiança para o consumidor entrar em operações de crédito, nota a economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados.
A crescente formalização dos postos de trabalho joga aí um papel decisivo, acrescenta Thaís. A expansão do consumo é mais sólida do que se fosse baseada numa elevação do endividamento sem expansão consistente do emprego e da renda.
Como Thaís, o economista Fábio Romão, da LCA Consultores, chama a atenção para a forte geração de empregos com carteira assinada. De janeiro a junho, o saldo entre contratados e demitidos ficou em 1,361 milhão postos de trabalho de acordo com números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Romão acredita que, em 2008, a criação de empregos formais ficará em 1,786 milhão, mais do que os 1,617 milhão do ano passado. "Os trabalhadores com carteira assinada têm obviamente mais segurança para consumir, porque há uma percepção de que é mais difícil perder o emprego", afirma ele.
Neste ano, o aumento da ocupação voltou a ser o principal responsável pela expansão da massa salarial acima da inflação, que acumula alta de 5,8% nos 12 meses até junho. O emprego cresceu 3,5% no período, ao passo que a renda teve alta de 2,2% superior à inflação. Em 2007, quando a massa salarial aumentou 6,3%, a contribuição do rendimento real foi de 3,2%, um pouco acima dos 3% da ocupação. A aceleração da alta dos índices de preços explica o crescimento mais fraco do rendimento real neste ano, pondera o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.
Em 2006 e 2007, a massa real cresceu 6,4% e 6,3%, pela ordem. Para este ano, a expectativa é de uma desaceleração do ritmo de crescimento. Vale aposta em 4,6%, resultado que seria composto por um aumento de 3,1% do emprego e de 1,5% da renda real. Como se vê, a inflação mais alta deve avançar sobre uma parcela ainda maior dos ganhos de renda dos trabalhadores no resto do ano, caindo dos 2,2% nos 12 meses até junho para 1,5% no acumulado em 2008.
Thaís diz que no segundo semestre, com o dissídio de algumas categorias de trabalhadores importantes, pode haver alguma recuperação do rendimento real, mas não a ponto de superar a contribuição da ocupação para o crescimento da massa salarial. Para ela, é possível que a expansão da massa neste ano fique na casa de 5%.
O ciclo de alta de juros deve afetar a atividade econômica com mais força no fim deste ano e no primeiro semestre do próximo. Com isso, a geração de empregos na economia tende a perder mais fôlego a partir do quarto trimestre deste ano.
A boa notícia é que não se espera um tranco brusco no mercado de trabalho. Para Vale, por exemplo, é provável que o ajuste se faça principalmente por meio de reajustes salariais menores, o que deve implicar em crescimento menor da renda real, e não por demissões maciças. Demitir quem tem carteira assinada é uma decisão mais custosa, destaca ele. Como a expectativa é de que o ciclo de desaceleração não jogue a atividade econômica no chão, a ocupação deve manter um ritmo de crescimento razoável, diz Vale. Ele espera que o nível de emprego cresça 3% em 2009, sendo o principal responsável pela alta de 3,5% prevista para a massa salarial real. A MB estima que o PIB tenha uma desaceleração moderada, passando de um crescimento de 4,8% neste ano para 3,5% no ano que vem.
Com a expectativa de um mercado de trabalho ainda razoável em 2009, não deve haver uma desaceleração muito brusca do consumo das famílias, que, junto com o investimento, tem sido o principal motor da demanda. Vale acredita que haverá uma alta de 5,6% neste ano e de 4,5% no ano que vem. "É algo bem razoável, nada drástico", acredita ele.
O ponto é que, no atual ciclo de aperto monetário, os juros reais devem superar um pouco a casa de 8%, um nível bem abaixo dos mais de 12% observados no ciclo de alta anterior, registrado em 2004 e 2005, nota Vale. Thaís aposta numa desaceleração mais forte do consumo das famílias, de 6,3% para 4%, mas também considera que não se trata de uma perda de fôlego das mais bruscas.