Título: Após votação, Bolívia ruma agora para... mais votações
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2008, Internacional, p. A11
A Bolívia acabou de votar a manutenção do presidente Evo Morales e dos principais governadores do país. O próximo passo na conturbada vida política do país deve ser agora... novas votações. Os três governadores não confirmados terão de ser substituídos. Além disso, Morales anunciou sua intenção de levar o projeto da nova Constituição a referendo no início de 2009. Com isso, as incertezas políticas e regulatórios devem continuar, o que afugenta os investidores.
O presidente Evo Morales confirmou seu mandato com cerca de 63% dos votos, segundo projeção do instituto Ipsos Apoyo, num sinal de forte apoio a seu governo.
Mas também teriam sido confirmados os governadores de oposição de Santa Cruz (com 66,6%), Tarija (64,5%), Beni (61,2%) e Pando (56,3%). Esses Departamentos formam a chamada meia-lua, região oriental, mais rica e centro da oposição ao presidente Morales. A votação sugere que há amplo apoio nessas regiões a mais autonomia.
Os governadores de La Paz e de Cochabamba, de oposição, não teriam conseguido confirmação de mandatos, assim como o de Oruro, um governista. Os números oficiais devem sair em uma semana.
Além de manter o impasse entre Morales e a oposição, o referendo revocatório de domingo ameaça criar um imbróglio jurídico. O governador de Cochabamba, Manfred Reyes Villa, disse que contestará na Justiça a votação que lhe cassaria o cargo. Diz que o referendo é ilegal. A contestação pode se prolongar, pois a Corte Constitucional (a suprema corte do país) conta com apenas um de seus cinco juízes. Os demais renunciaram.
Há polêmica ainda sobre a substituição dos três governadores que seriam afastados. Morales teria a prerrogativa de indicar os sucessores, mas se comprometeu a convocar novas eleições, ainda sem data marcada. Isso significa novas campanhas eleitorais.
Morales, que pediu diálogo à oposição, disse ainda que quer levar a referendo, no início de 2009, a nova Constituição, que amplia a participação do Estado na economia, aprofunda a reforma agrária e permite a reeleição do presidente. "A democracia foi aprofundada na Bolívia", disse Morales. A oposição rejeita o texto constitucional.
Ruben Costas, governador de Santa Cruz, acusou Morales de tirania: "Esse é um governo insensível e autoritário, que está tentando concentrar poder e nos transformar em pedintes". Branco Marinkovic, empresário de Santa Cruz que lidera o comitê de autonomia regional, também criticou o governo: "O Oriente [do país] quer continuar ligado ao livre mercado, a um sistema em que as pessoas podem progredir. Essa não é uma questão indígena ou de raça".
Quase todo mundo se declarou vencedor no referendo revocatório. Para analistas experientes da Bolívia, justamente isso deve levar a um aprofundamento do impasse político no país, já que tanto Morales quanto os governadores de oposição se sentem fortalecidos.
"Essas vitórias podem ter um gosto de derrota para ambos os lados", disse o cientista político George Gray Molina, da Unidade de Análise de Políticas Sociais e Econômicas (Udape, um instituto independente financiado pelo governo). "O presidente vai se sentir mais forte, e os governadores vão se sentir mais fortes. Eu prevejo mais confrontos."
Para Franklin Pareja, professor de ciência política na Universidade San Andrés, de La Paz, "a confirmação dos mandatos [dos governadores] vai radicalizar ainda mais a tensão no país". "O apoio indiscutível aos governadores e a revalidação do presidente não vão resolver nada. Seria melhor se houvesse um ganhador e um perdedor claros."
Morales venceu em 4 dos 9 Departamentos do país: La Paz, Oruro, Potosí e Cochabamba, que são os mais populosos e cujos moradores são de maioria aimará e quéchua e apóiam o presidente. Ele, porém, perdeu em Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija