Título: Odebrecht e Suez elevam tom das acusações
Autor: Rittner ,Daniel
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2008, Empresas, p. B9

Com acusações mútuas, esquentou ainda mais a briga envolvendo os dois consórcios que disputaram o leilão da usina de Jirau, no rio Madeira. O grupo liderado por Odebrecht e Furnas entregou ao Ibama e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) um relatório de 111 páginas em que contesta, ponto por ponto, os supostos ganhos econômicos e ambientais com a mudança de local da barragem da hidrelétrica. No relatório, o grupo diz que os fornecedores de equipamentos não têm como atender o cronograma do consórcio adversário, que prometeu antecipar em 14 meses a entrada em operação da usina, e faz um alerta ao governo: "fica demonstrado que existem grandes chances de haver um atraso de um a dois anos no início da geração".

A elaboração do relatório provocou indignação do Energia Sustentável do Brasil (Enersus), o consórcio capitaneado pela multinacional Suez Energy e pela Camargo Corrêa, que pretende alterar em pelo menos nove quilômetros o local da usina e assinará hoje o contrato de concessão da hidrelétrica, em cerimônia no Palácio do Planalto. O presidente do Enersus, Victor Paranhos, levantou a suspeita de que a Odebrecht está fazendo "espionagem industrial" contra o consórcio. Só isso explica, segundo ele, a presença de informações exclusivas do Enersus no relatório preparado por Odebrecht e Furnas.

Para o executivo, a Suez e seus sócios provavelmente foram vítimas de interceptação de mensagens eletrônicas ou escutas telefônicas clandestinas. "Eu não falo mais em celular. Também estamos comprando um aparelho de criptografia de e-mails. Eles estão praticando espionagem industrial. Isso é gravíssimo", disse ao Valor o presidente do Enersus.

De acordo com Paranhos, existem indícios de que a Odebrecht e Furnas tiveram acesso indevido a informações sigilosas do Enersus. No relatório enviado à Aneel e ao Ibama, a presença de dois documentos evidencia a prática de espionagem, segundo o executivo: um cronograma detalhado de obras formulado pela Camargo Corrêa e a proposta comercial de entrega de turbinas e equipamentos feita pela fabricante chinesa Dongfang à Suez.

Procurada, a Odebrecht não quis comentar as declarações de Paranhos nem o conteúdo do relatório, embora tenha confirmado o envio do documento aos órgãos federais. A construtora, junto com Furnas, alega que o prazo de execução das obras "não é factível". Uma das contestações é quanto à viabilidade de antecipar a entrada em operação da hidrelétrica, de janeiro de 2013 para dezembro de 2011. A Odebrecht cita o fato de que, para manter esse cronograma e concluir a motorização da usina em 14 meses, o Enersus precisará receber três turbinas por mês. "Os principais fornecedores mundiais (VA Tech, Voith e Alstom) estão comprometidos com o fornecimento para a UHE Santo Antônio e não possuem capacidade instalada para atendimento ao cronograma da ESBR. Outros fornecedores, a exemplo da Dongfang, em sua proposta apresentada, demonstra não ser capaz de atender o cronograma divulgado pela ESBR", afirma o relatório.

Odebrecht e Furnas contestam frontalmente a tese de que a mudança de local da usina diminuirá os impactos ambientais das obras. É o primeiro documento técnico protocolado no Ibama a defender essa argumentação. Paralelamente, o governo de Rondônia e a prefeitura de Porto Velho pedem a realização de audiências públicas para discutir o novo projeto de engenharia para a usina de Jirau.

O primeiro pedido, datado de 30 de julho, partiu do prefeito Roberto Sobrinho (PT). No dia 4 de agosto, foi o secretário estadual de Meio Ambiente, Cletho Muniz de Brito, quem protocolou no Ibama um ofício solicitando novas audiências em pelo menos quatro localidades: Porto Velho, Jaci-Paraná, Mutum-Paraná e Abunã. No ofício, ele diz que o processo de licenciamento "parece estar sendo relevado" e que "a população de Rondônia precisa ser ouvida novamente". A secretaria comandada por Brito multou em R$ 600 mil, no fim de junho, a empresa Fundsolo Fundações, contratada pelo Enersus, por realizar serviços de sondagens geotécnicas sem autorização ambiental, próximos ao Caldeirão do Inferno, o local escolhido pelo consórcio para a usina.

Paranhos minimizou as contestações feitas por Odebrecht e Furnas no relatório encaminhado ao Ibama e à Aneel, mas demonstrou preocupação com os pedidos de audiências. O executivo disse que elas são "desnecessárias" e admitiu um atraso nas obras se forem marcadas. Para não perder a "janela hidrológica" e aproveitar o período de estiagem na Amazônia, ele explicou que o consórcio tem até o fim de setembro para colocar a ensecadeira (equipamento responsável pelo desvio do rio) no local da futura barragem. Se não fizer isso, o procedimento fica para o início da próxima seca - certamente depois de abril do ano que vem.

Segundo o presidente do Enersus, esse atraso compromete o início da geração de energia para abril de 2012. Questionado se isso complica o arranjo econômico-financeiro do consórcio para viabilizar a tarifa vencedora de R$ 71,40 por MWh, Paranhos reconheceu o problema, mas acrescentou que um atraso desse tamanho ainda "está dentro das nossas contingências". O executivo esclareceu que não pensa em aceitar o local original proposto por Odebrecht e Furnas para a construção de Jirau. Segundo ele, essa é a "última hipótese", para o caso de rejeição do novo projeto de engenharia. "Aquilo (o projeto original) é uma brincadeira, não tem nenhuma viabilidade."

Por meio de fotos de satélites, o relatório do Jirau Energia sustenta que a mudança do eixo da barragem feita pelo Enersus chega a 12,5 quilômetros - e não nove, como tem divulgado o consórcio da Suez. O dossiê usa fotos aéreas para mostrar que existem 23 casas que serão afetadas pelo novo local do reservatório.

Segundo o documento, a área alagada total será 27 quilômetros quadrados maior do que a prevista inicialmente e "em região de mata nativa". O relatório argumenta ainda que há maior risco de depósito de sedimentos no leito do rio porque o projeto do Enersus é para um trecho do rio mais largo, o que faz diminuir a velocidade do Madeira e elevar o acúmulo de materiais. A Odebrecht e Furnas rejeitam ainda que haverá qualquer tipo de ganho do novo projeto no risco de contaminação por mercúrio.

Por fim, o relatório contesta a economia a ser feita pelo Enersus com o menor volume de escavações de rocha no projeto alternativo de Caldeirão do Inferno. Desde a vitória no leilão da Aneel, em maio, a Suez tem dito que escavará 43 milhões de toneladas a menos de rochas - volume equivalente a 72 estádios do Maracanã cheios até o topo. Para a Odebrecht e Furnas, haverá necessidade de fazer outras escavações adicionais para preencher aterros - de zonas mortas, ensecadeiras e da barragem -, de forma que a economia gerada em um primeiro momento é perdida depois.

Paranhos rebateu as avaliações do consórcio adversário. "É um crime o que eles estão fazendo, distorcendo pontos que não têm a mínima lógica", disse. "Eles é que devem explicar por que, ao longo de um ano e meio, apregoaram uma tarifa de R$ 120 para Jirau. Se não houvesse concorrência, se não tivéssemos investido em engenharia e estudado essa alternativa, os consumidores estariam pagando a tarifa de R$ 85 (lance dado pelo Jirau Energia no leilão da Aneel)."