Título: Leilão de bagaço de cana negociará meia usina de Jirau
Autor: Scaramuzzo , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2008, Empresas, p. B10

O primeiro leilão de energia voltado exclusivamente para os projetos de co-geração de energia a partir da biomassa poderá colocar no sistema um volume extra equivalente a meia usina de Jirau entre 2009 e 2010. O chamado leilão de reserva será realizado na quinta-feira, na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Ao todo, 44 empresas deram garantias para a geração de cerca de 1.160 MW médios. Desse total, 39 companhias são produtoras de açúcar e álcool que produzem energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar.

O governo e o mercado esperavam uma adesão maior de usinas sucroalcooleiras. Isso porque 96 empresas se habilitaram para participar do leilão, que foi adiado três vezes só este ano. No entanto, mais da metade desistiu no meio do caminho. São vários os motivos. Um deles é o preço de R$ 157 MW/h, considerado baixo por muitos usineiros. Outro aspecto importante é o curto prazo para a entrega de energia. Quase não houve oferta para 2009 e a maior parte se habilitou para produzir energia a partir de 2010, quando boa parte dos novos projetos de usinas entra em operação. Muitos dos que desistiram do leilão de energia de reserva se habilitaram para outro leilão, o de A-3, que tem entrega prevista para 2011.

Mesmo com essas desistências, os números mostram que o potencial da geração de energia a partir da biomassa é grande. No país, são 400 usinas sucroalcooleiras em operação, todas auto-suficientes em energia a partir do bagaço. Há cerca de 210 projetos de co-geração em implantação que podem colocar no sistema 13.200 MW até 2012, segundo Onório Kitayama, especialista em bioenergia da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). Para 2008, as usinas têm um excedente de 790 MW para ser comercializado, e poderá chegar a 8.900 MW nos próximos quatro anos, sem considerar o potencial do uso da palha da cana.

Entre esses 210 projetos estão incluídas usinas já em operação e que estão investindo em novas caldeiras para elevar seu potencial de co-geração e novas unidades em construção. Os aportes totais em co-geração podem chegar a R$ 4,4 bilhões, caso nenhum projeto seja engavetado no meio do caminho.

Muitas usinas do setor argumentam que não há incentivos suficientes do governo federal para que os projetos a partir da biomassa deslanchem no país. Pedro Mizutani, vice-presidente geral do grupo Cosan, diz que os preços oferecidos no leilão não cobrem os investimentos feitos pelas usinas.

Mizutani compara os projetos de co-geração ao Proálcool, programa criado em 1975 pelo governo, e que deu incentivo ao uso do álcool combustível no país. "Naquela época, o governo teve que dar incentivos para que o programa fosse adiante, uma vez que o custo para produzir álcool era alto e não-competitivo. Mas hoje está provado que o governo apostou em programa bem-sucedido."

A Cosan já investiu R$ 1 bilhão em co-geração em suas usinas e poderá triplicar esses aportes nos próximos anos. "O governo tem que estimular a produção para ter mais oferta e o preço cair depois", afirma Mizutani. O grupo tem sete usinas habilitadas para participar desse leilão, mas isso não quer dizer que todas vão vender energia na quinta-feira.

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), reforça a importância do bagaço na matriz energética do país e diz que o governo já começa a dar incentivos para que esses programas de biomassa cresçam.

Apesar da reclamação do setor, os preços da energia fixados nesse leilão ficaram em R$ 157 MW/h, o melhor preço registrado desde o ano passado. O superintendente da comercializadora Delta Energia, Mateus Aranha Andrade, diz que o preço é atrativo para alguns projetos e não cobre o custo em outros. Para a Energias do Brasil, por exemplo, é um preço muito atrativo. Esse valor de R$ 157 está em um patamar melhor do que mostraram estudos feitos pela empresa, que tem um projeto de usina em Mato Grosso do Sul para gerar energia a partir do bagaço. Segundo o vice-presidente de novos negócios da Energias do Brasil, Miguel Setas, a empresa só não participará deste leilão porque o projeto só ficará pronto em 2011. "Estamos plantando cana ainda."

Para o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, o alegado problema de preço se deve ao fato de que algumas usinas não estão dividindo os custos entre a produção de energia e a do açúcar/álcool. Ou seja, os grupos sucroalcooleiros querem descontar todo o custo de compras de novas caldeiras exclusivamente no fluxo de caixa da produção de energia. Tolmasquim observa que foram dadas várias condições especiais aos usineiros para participarem desse leilão e é preciso ter um equilíbrio no preço porque todos os consumidores de energia é que vão pagar a conta.

Diferentemente dos outros leilões de energia nova em que as distribuidoras compram a energia para revender, nesse não haverá compradores. Todos os consumidores pagarão a conta. Ou seja, terão suas tarifas reajustadas em função de ter uma energia extra assegurada no sistema. É uma espécie de garantia.

Onório Kitayama, da Unica, argumenta que os custos dos projetos de co-geração dobraram nos últimos dois anos, acima da inflação do país no mesmo período. "As usinas ponderam se vale a pena vender no leilão ou no mercado livre", afirma.

Entre as condições especiais dada nesse leilão, está o fato de a energia negociada não ser obrigatoriamente proveniente de um novo projeto. Apenas a modernização é suficiente. Além disso, os usineiros poderão vender a energia no mercado livre e não terão que garantir a entrega durante todo o ano, já que a safra da cana dura apenas seis meses.

Para driblar esse problema e participar de outros leilões, como o de A-3, é que a Energias do Brasil pretende gerar energia a partir da queima da palha. O grupo sucroalcooleiro Equipav, com usinas em São Paulo, e projetos no Centro-Oeste, já começa também a colocar em testes a queima da palha para co-geração. O potencial da palha pode acrescentar em mais de 50% o potencial de co-geração no país.

As usinas reconhecem que o governo está dando maior atenção aos projetos de co-geração e atenderam algumas reivindicações do setor. Em projetos em construção em Goiás e Mato Grosso do Sul, onde há novos projetos de usinas em andamento, o governo está aplicando o conceito de subestação coletora para promover a conexão de usinas dessas unidades, segundo Kitayama. Em regiões paulistas, onde o acesso à rede de transmissão de energia é mais difícil, o governo vai elaborar estudos de conexão que prevê o escoamento da energia.