Título: STF adverte PF e aprova súmula sobre algemas
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2008, Política, p. A7

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram, ontem, por unanimidade, uma súmula vinculante para restringir o uso de algemas pela Polícia Federal. Eles se sentiram afrontados pela PF, que, menos de uma semana depois de decisão da própria Corte, limitando o uso de algemas, realizou operação na qual algemou mais de 30 pessoas.

Os ministros advertiram a Polícia Federal que as prisões podem ser anuladas e os processos também, caso os policiais não cumpram a determinação do Supremo de que as algemas são admitidas apenas no caso de risco de fuga do preso, ou quando ele oferecer risco de agressão ao policial, a terceiros ou a si próprio.

Pela súmula, só é lícito o uso de algemas nos casos de resistência à prisão, de fundado receio de fuga ou de ameaça de agressão pelo preso contra o policial, a terceiros ou a si próprio. Esses riscos terão de ser comprovados por escrito antes das operações. Caso a Polícia Federal não justifique previamente a necessidade do uso de algemas, os policiais poderão ser responsabilizados disciplinar, civil e penalmente. O Estado também poderá ser condenado a indenizar o preso. Foi a 11ª súmula vinculante e a mais extensa do tribunal.

O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, afirmou que o desrespeito à súmula poderá levar o preso a entrar com recurso diretamente ao tribunal, sem a necessidade de recorrer de início à 1ª instância. Isso porque foi o próprio STF que estabeleceu, na súmula, as restrições às algemas e, assim, cabe à Corte garantir o cumprimento de sua determinação. Segundo o ministro, o Supremo não está prejudicando a atuação dos organismos policiais, "mas é preciso resguardar os direitos daqueles que se prevêem inocentes".

Na semana passada, o STF anulou uma condenação pelo fato de o réu ter permanecido algemado durante o júri. Segundo os ministros, o uso de algemas influenciou o júri, dando a pecha de criminoso ao réu, antes da conclusão do julgamento. Anteontem, a Polícia Federal algemou mais de 30 suspeitos durante a Operação Dupla Face, de combate à corrupção em órgãos públicos no Mato Grosso. Ontem, o Supremo deixou claro que pode anular todo o trabalho policial se continuar a desobediência dos delegados.

"O que estarrece é que um delegado da PF desqualifique a decisão do Supremo", afirmou o ministro Carlos Menezes Direito. "Lançam desafios vazios à autoridade do STF, mas isso não me preocupa", completou o ministro Cezar Peluso. "O importante é que a Corte fixe a sua posição e mais do que isso: que fiquem claras as responsabilidades pelo descumprimento. Deixamos explícito que o Ministério Público, o Ministério da Justiça, o diretor-geral da Polícia Federal e das polícias estaduais e municipais, o juiz de direito, todos têm a sua responsabilidade de agir diante do conteúdo da súmula."

Os ministros também criticaram o excesso de operações em que presos são filmados com algemas, antes de qualquer julgamento. "Algemar, hoje, significa expor alguém na televisão", apontou o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes. "Estamos vivendo um período de perda de parâmetros", lamentou o ministro Marco Aurélio Mello. "Me dá a impressão de que estamos vivendo uma época surrealista, pois qualquer investigador em inicio de carreira sabe muito bem quando deve utilizar a algema", concluiu o ministro Cezar Peluso.