Título: A inflação e os trabalhadores
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2008, Opinião, p. A10
A elevação do patamar da inflação na economia internacional refletiu-se diretamente na economia brasileira. Os aumentos de preços nos últimos meses reacenderam o receio na sociedade brasileira do retorno das altas taxas de inflação, que caracterizaram a economia brasileira na década de 1980 e na primeira metade dos anos 1990. Os trabalhadores em geral são os mais atingidos com esta aceleração inflacionária e, por isso, a CUT tem propostas de ação para combatê-la e para fortalecer o poder de compra dos salários.
Antes, porém, queremos refutar manifestações recentes de setores de pensamento mais conservador, que tentam aproveitar o clima de tensão para relacionar pressão inflacionária com a proximidade das campanhas salariais de várias categorias profissionais no segundo semestre do ano. O argumento é de que campanhas salariais ousadas poderiam acirrar novamente a espiral envolvendo preços e salários. Embora não haja qualquer evidência de que os aumentos reais de salários estejam se dando acima do crescimento da produtividade da economia. Ao contrário, o forte crescimento da produtividade não tem sido repassado em igual proporção aos salários.
A ameaça inflacionária é real, sem dúvida. O IPCA verificado entre junho de 2007 e maio de 2008 totaliza 5,58%. No entanto, considerando-se alguns itens relacionados à alimentação, como a carne, o feijão, o leite, o trigo e o óleo, as variações oscilaram entre 20% e 100%. Para as famílias de menor rendimento é grande o peso dos alimentos sobre sua renda. A cesta básica no município de São Paulo, medida pelo Dieese, mostra um aumento de 30,83% entre julho de 2007 e junho de 2008. O salário mínimo, que no último mês de março comprava, em São Paulo, 1,85 cestas básicas, passou a comprar 1,69 cestas básicas em junho - o que representa uma perda de 8,6% do seu poder de compra.
Uma de nossas propostas é bastante conhecida, pois são constantes nossas críticas às medidas adotadas pelo Banco Central, que aponta agora para uma fase de aumento das taxas de juros. Defendemos a mudança dessa política, que deverá ter efeitos diretos na redução dos níveis de consumo, investimento, produção e emprego. Dois efeitos macroeconômicos que resultam da elevação dos juros merecem especial atenção: a desorganização das contas externas e o aumento da dívida pública. No primeiro caso, porque o aumento da taxa de juros interna atrairá um volume ainda maior de capitais especulativos para o país, agravando a sobrevalorização da moeda nacional, e tendo como conseqüência a redução da balança comercial e o aumento do déficit em transações correntes. O segundo efeito - o crescimento da dívida pública - é tão perverso quanto o primeiro: um ponto percentual de crescimento nos juros é suficiente para que o Estado brasileiro desembolse com os juros da dívida próximo ao que se gasta com o orçamento do programa Bolsa-Família no período de um ano.
O governo espera que, com as medidas de desaceleração da economia, a taxa de crescimento do PIB cairá de 5% ao ano (2007) para cerca de 4% ao ano (2008). Mas essa opção é extremamente perigosa, pois o início de um processo de desaceleração pode ser incontrolável, abortando o crescimento iniciado nos últimos quatro anos.
A CUT tomou o tema do combate à inflação com a manutenção do crescimento como um dos itens de sua estratégia no período. Apresentamos as seguintes propostas:
-------------------------------------------------------------------------------- Os benefícios de refeição dos trabalhadores devem ser corrigidos por índices que expressem a variação de preços dos alimentos --------------------------------------------------------------------------------
1) Considerando-se a elevação dos preços de consumo popular, entre os quais encontram-se os alimentos, é fundamental rever e fortalecer a política de valorização do salário mínimo, de forma a recuperar efetivamente o poder de compra afetado pela aceleração inflacionária e garantir seu aumento real. Igualmente com vistas a garantir o rendimento dos trabalhadores, defendemos também a revisão do acordo que prevê a atualização da tabela do Imposto de Renda.
2) Orientar as campanhas salariais para: implementar a valorização dos pisos salariais das categorias, para recuperar o poder aquisitivo das famílias de menor renda; propor que os benefícios de alimentação/refeição, como tíquetes e cestas básicas, sejam corrigidos por índices que expressem a variação do agregado "alimentos"; estudar e negociar mecanismos que viabilizem a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, como forma de participação dos trabalhadores no aumento da produtividade das empresas;
3) Propor uma incisiva ação do governo federal na adoção de políticas públicas que busquem estabilizar os preços dos alimentos, por meio da utilização de estoques reguladores e medidas de elevação da oferta. Neste sentido, defendemos: a adoção de políticas de desoneração de impostos internos sobre itens como os alimentos, sobretudo os de consumo popular, com a exigência de que estas reduções sejam efetivamente repassadas aos consumidores na forma de redução de preços; restrição às exportações de alimentos, se isto for eventualmente necessário para abastecer e regular o mercado interno; políticas de incentivo ao incremento da oferta de alimentos (especialmente aquela proveniente da pequena agricultura familiar), como a concessão de crédito mais barato e com prazos mais largos de pagamento e a fixação de preços mínimos.
4) Políticas de acompanhamento e controle específico também dos preços administrados e tarifas públicas, como telefone, eletricidade, energia e água, com a renegociação dos contratos que estabelecem cláusulas de indexação.
5) Intensificar as políticas em prol da produção de biocombustíveis, com a valorização dos trabalhadores do setor e da pequena agricultura familiar a ele relacionada, de forma a viabilizar alternativas ao petróleo, além de reduzir em médio prazo as pressões sobre os preços dos fertilizantes (que, segundo estimativas, representam cerca de 40% dos custos dos alimentos).
6) Retomar os fóruns tripartites de competitividade setorial, buscando realizar diagnósticos e negociações em nível de cadeia produtiva, e assim localizar e neutralizar de forma mais exata e "cirúrgica" os focos de pressão de custos, evitando-se a adoção de medidas que, por seu alcance mais amplo, podem resultar mais em efeitos negativos do que positivos, como é o caso do aumento dos juros.
7) Intensificar o movimento pela ampliação e democratização do Conselho Monetário Nacional (CMN), que foi uma proposta apresentada pela CUT em 2005, tendo em vista a importância das decisões do conselho sobre variáveis-chave da economia brasileira, como meta de inflação e diretrizes da política monetária e cambial.
Artur Henrique é presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT).