Título: Desafios do setor de petróleo e gás no Brasil
Autor: Agel , Sonia
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Após um período de quase dez anos de relativa estabilidade e com resultados visivelmente positivos, o setor do petróleo no Brasil, em especial a cadeia de exploração e produção de petróleo e gás natural, parecia estar incluído no rol dos mercados maduros e atrativos próprios das nações mais desenvolvidas. No entanto, bastou a existência de indícios de grandes reservas, na camada do pré-sal, para que essa estabilidade viesse ser ameaçada, colocando o país, em menos de um ano, em um cenário de insegurança e instabilidade que vem causando transtornos não somente para as empresas já concessionárias do setor de exploração e produção de petróleo e gás, como para aquelas que já haviam incluído em seu portfolio a possibilidade de investir no Brasil.

Como parte desse cenário cabe citar (1) a retirada de parte dos blocos oferecidos na nona rodada de licitações; (2) o não prosseguimento da oitava rodada, mesmo depois de vencidos todos os desafios que impediam sua conclusão; (3) a alteração das regras relativas à concessão com a introdução de uma nova modalidade de contratação; (4) a possibilidade de criação de uma nova empresa estatal para gerir os novos tipos de contratação e ainda (5) a possível alteração do critério de pagamento das participações governamentais, previstas no Decreto nº 2.705, de 1999.

Qualquer uma dessas possibilidades, isoladas ou em conjunto, vêm sendo tratadas de forma bastante superficial pelas autoridades responsáveis pelas decisões a elas relativas, o que faz com que o setor esteja navegando em um ambiente especulativo e de completa insegurança desde a retirada dos blocos exploratórios, às vésperas da nona rodada.

Com relação à mencionada rodada, é indiscutível a soberania do Estado para decidir sobre a oportunidade e a conveniência de se realizar leilões para aquisição de direitos relativos à exploração de petróleo e gás natural, como também para escolher os blocos que comporão as ofertas, de olho na preservação do interesse nacional, como determinam os princípios e objetivos da Política Energética Nacional. No entanto, a preservação desse interesse não poderia servir de motivo para que se vejam violados os princípios que devem reger a relação entre o poder concedente e os concessionários.

Muito antes do anúncio da nona rodada, já era de conhecimento público a possibilidade de ocorrência de grandes reservas de petróleo na área do pré-sal. Ou seja, na escolha dos blocos que integraram a oferta da nona rodada, já se sabia que parte deles situava-se na mencionada área ou em áreas adjacentes. O elemento surpresa não era, portanto, razão suficiente para justificar a retirada dos 41 blocos da nona rodada, os quais integravam o objeto do certame licitatório, que, como tal, não deveria sofrer qualquer alteração após a divulgação do edital convocatório.

Na expectativa encontram-se também as empresas licitantes que, antes da suspensão da oitava rodada, foram declaradas vencedoras de alguns blocos dentre aqueles oferecidos na licitação. Impossibilitadas de assinar os respectivos contratos de concessão e prosseguir nos investimentos já contingenciados em função dos compromissos assumidos na licitação, aguardam silenciosas e passivamente sua conclusão.

Além de contarmos com uma licitação pendente de conclusão, ainda há dúvidas, até o presente momento, sobre a realização ou não da décima rodada, supostamente por ausência de uma definição quanto ao arcabouço regulatório que deverá reger as atividades de exploração na área do pré-sal. Nesse sentido, por mais que se queira concordar que é legítima a preocupação do governo em ser devidamente compensado pela exploração e produção de volumes significativos de óleo e gás na área do pré-sal, não há explicação plausível para que todo o arcabouço jurídico, implantado há dez anos e com resultados incontestes, seja drasticamente alterado. Isso porque, a questão poderia ser resolvida simplesmente com a revisão dos cálculos da participação especial - devida para grandes produtores - ou até mesmo com a majoração de outras espécies de participações governamentais.

No entanto, dentre todas essas discussões temos, por enquanto, de palpável, apenas uma proposta de legislação - o Projeto de Lei nº 2.502, de 2007 - que parece não constituir, em face de sua inconsistência, ameaça à estabilidade adquirida até o presente momento. E não poderia ser diferente, pois a introdução de um novo tipo de contratação para as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural exige um estudo prévio do arcabouço jurídico vigente, bem como de todos os aspectos técnicos que permeiam ditas atividades. Nesse sentido, cabe observar que a introdução do contrato de partilha da produção poderá dar margem a um cenário onde conviverão duas espécies distintas de contratação para uma mesma atividade: as concessões já firmadas e os contratos firmados sob o novo regime, o que, de princípio, demanda uma especial cautela para que não se tenha violado o princípio da isonomia, seja entre os concessionários ou entre os beneficiários das participações governamentais.

Resta, portanto, aguardar a conclusão da comissão interministerial instaurada no dia 17 de julho com a finalidade de estudar e propor as alterações necessárias na legislação, no que se refere à exploração e à produção de petróleo e gás natural nas novas províncias petrolíferas descobertas em área denominada pré-sal. Além de aguardar a decisão da comissão ministerial, restam também às empresas concessionárias "cruzar os dedos" para que, sejam quais forem as conclusões a que se chegar, essas não venham nem de perto aventar a possibilidade de atingirem os contratos de concessão já firmados, sob pena de se comprometer a segurança jurídica, o que poderá resultar na retração de novos investimentos. Cabe lembrar ainda que a manutenção dos contratos, na forma pactuada, não se trata de generosidade por parte do poder concedente e sim de respeito à Carta Magna de 1988.

Sonia Agel é advogada e sócia do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel Advogados (SVMFA)

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