Título: BC aumenta os juros no escuro
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 03/03/2011, Economia, p. 12

Sem condições de medir o tamanho do estrago na economia provocado pelas turbulências no mundo árabe ¿ por conta da escalada do preço do petróleo ¿, o Banco Central aumentou em 0,5 ponto percentual a taxa básica (Selic) ontem, confirmando a aposta da maioria dos analistas financeiros. Aliás, ao que parece, o mercado captou a mensagem da autoridade monetária e está dançado conforme sua música, marcada pelo compasso da cautela e do gradualismo na condução da política monetária. Ainda assim, com o aumento os juros vão a 11,75% ao ano ¿ o maior patamar desde março de 2009.

Para analistas, o Copom apenas reforçou sua política prudencial, explicitada pelo Relatório de Inflação e ata do BC, entre outros documentos. Parte do mercado acreditava que a autoridade monetária poderia até ser mais agressiva e ter dado uma puxada nos juros, elevando a taxa em 0,75 ponto percentual e antecipando, assim, os efeitos sobre a escalada inflacionária. O fato de a reunião ter demorado quase quatro horas ¿ a despeito de a decisão ter sido unânime e sem indicação sinalizações para o próximo encontro ¿ reforça a tese de que houve divisão e de que o consenso só foi obtido depois de muito debate.

¿A aposta majoritária sempre foi a de meio ponto, embora alguns analistas acreditassem que poderia vir mais¿, avaliou o economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho. A seu ver, o BC poderia ter elevado a Selic em 0,75 ponto percentual se, de uma vez por todas, quisesse ancorar as expectativas hoje ainda divergentes e colocar a inflação no centro da meta num período mais curto, antes de dezembro de 2012. ¿Mas isso (puxar demais a taxa de juros) traria mais problemas para o BC¿, reconheceu. Ao olhos de Velho, se optasse por um patamar mais elevado, o Copom daria um péssimo sinal. ¿Toda aquela discussão de erro de cenário voltaria com força¿, sentenciou.

Essa avaliação é reforçada pela análise de Jankiel Santos, economista-chefe do Espírito Santo Investiment Bank. ¿Se o Copom elevasse a taxa de juros para 12% ao ano, teria que explicar porque acelerou o passo¿, observou. Para Jankiel, o BC tem reafirmado que as medidas prudenciais adotadas no passado recente ainda têm impactos importantes, além de contar com o ajuste fiscal prometido pelo governo ¿ tese que, segundo um técnico, realmente tem respaldo na autoridade monetária.

Ruído O economista do Espírito Santo alega ainda que a inflação, embora crescente, vem desacelerando é já está evidente que o ritmo de crescimento econômico de 2011 será menor do que o verificado no ano passado. Na opinião do ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências, não havia mesmo espaço para o Copom vir com alguma surpresa. ¿Não aconteceu nenhum imprevisto entre essa reunião e a de janeiro¿, observou. Para Loyola, se sancionasse 0,75 ponto percentual de aumento, o BC estaria reconhecendo que errou na última ata e geraria um forte ruído no mercado.

Roberto Padovani, estrategista-chefe do Banco WestLB do Brasil, é mais um que apostou no aumento de 0,5 ponto percentual na taxa de juros, mesmo com parte do mercado financeiro tendo trabalhado com a hipótese de aceleração do ritmo de alta ou a ampliação do ciclo de aperto. Para esse grupo, a sinalização ¿ não referendada pelo BC ¿ veio da alta recente dos alimentos e do petróleo no mercado internacional, que elevou o risco inflacionário. Até aqui, a autoridade monetária só contabilizou a elevação de item como comida. ¿Ainda assim, optamos pelo cenário de alta 0,5¿, afirmou.

O motivo, diz Padovani, é que existe uma desaceleração em curso ¿ como tem mostrado os indicadores recentes de atividade ¿, além de os efeitos dos ajustes fiscal e monetário não terem alcançado a economia de forma plena. ¿O quadro global sugere cautela na condução da política monetária. Por isso, é bom o BC manter a estratégia sugerida no relatório de inflação de dezembro.¿ Para as próximas reuniões do Copom, os economistas ainda divergem com relação ao total do aumento ¿ de 0,25 ou 0,5 ponto percentual ¿ e até o alcance do arrocho na economia.

Quorum elevado A segunda reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano contou com participação dos novos diretores do BC, Altamir Lopes (Administração) e Sidnei Marques (Liquidação), aprovados pelo Senado na terça-feira. O decreto presidencial com o nome dos dois foi publicado ontem no Diário Oficial da União a tempo de eles tomarem posse pela manhã e se integrarem à reunião à tarde. Mas, curisomente, a solenidade de transmissão de cargos será realizada apenas hoje.