Título: Apesar dos erros chilenos
Autor: Andrade , Eduardo de Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2008, Opinião, p. A12

É chover no molhado falar mal da qualidade da educação no Brasil, como é comprovado pelos resultados nas provas feitas pelo Ministério da Educação ou nos testes comparativos internacionais. O que surpreende é que milhões de brasileiros de baixa renda sejam obrigados a matricular seus filhos nas escolas públicas, gratuitas, mas de péssima qualidade, providas por um monopolista estatal. Isso é mais surpreendente porque está comprovado que o pior dos mundos para os consumidores é lidar com um monopolista, que vive num ambiente sem competição e tende a cobrar preços elevados e/ou oferecer um produto de baixa qualidade. Num mundo cada vez menos confiante na capacidade de solução de problemas por meio da provisão de bens e serviços públicos, surpreende que não se discuta uma alternativa de mercado para melhorar a qualidade do ensino brasileiro. Neste sentido, vale a pena olhar mais detalhadamente a experiência chilena.

Na década de 1980, a ditadura chilena adotou uma política educacional inédita até então, um sistema de vouchers universal. Sob esse sistema, os pais puderam optar entre matricular seus filhos numa escola pública ou privada que tenha aderido ao programa, pagando-a com os vouchers. Escolas públicas ou privadas passaram a receber o mesmo pagamento por estudante matriculado. Com a liberdade de escolha, a competição entre elas gerou mudanças significativas no mercado. Mais de mil novas escolas privadas entraram no mercado. A parcela dos alunos matriculados em escolas privadas duplicou em dez anos, passando para algo em torno de 40% e atingindo em algumas áreas urbanas a marca de 50%. Somente as escolas privadas de elite, que correspondiam a aproximadamente 7% do total dos alunos matriculados, não aderiram ao programa.

A expectativa em torno dos vouchers chilenos não se materializou. Esperava-se que o sistema gerasse uma competição saudável entre escolas públicas e privadas. As melhores sobreviveriam e as piores seriam fechadas. Com isto, a qualidade da educação subiria.

No entanto, não existe evidência de que o programa de fato elevou a qualidade do sistema educacional chileno, seja medido pelos resultados nos testes de proficiência, nas taxas de reprovação escolar ou nos anos de escolaridade. Adicionalmente, ocorreu um êxodo dos melhores alunos das escolas públicas para as escolas privadas. Os alunos que ficaram nas escolas públicas, portanto, deixaram de se beneficiar do convívio com os melhores alunos que essas escolas possuíam, o chamado peer-effect. O resultado foi uma maior discrepância na qualidade da escola pública vis-à-vis à privada.

No entanto, seria um equívoco simplesmente descartar a opção dos vouchers à luz desses resultados. Na verdade, o programa teve falhas importantes na sua execução. A competição esperada entre escolas, de fato, não existiu. Nenhuma escola pública foi fechada desde a implantação do sistema de vouchers, ainda que o número de alunos matriculados nestas escolas tenha caído. Aquelas que perderam alunos para as escolas privadas receberam subsídios, quando necessário, para que os salários dos professores fossem pagos. As opções das escolas públicas não foram prover uma educação de qualidade, ou fechar as portas. Na prática, as que ofereciam uma educação percebida como de baixa qualidade eram "premiadas", pois tinham menos alunos e, por conseguinte, menos trabalho. Um incentivo perverso.

-------------------------------------------------------------------------------- As escolas públicas que perderam alunos para as privadas receberam subsídios para aumentar salários dos professores --------------------------------------------------------------------------------

Outra falha foi permitir que as escolas privadas escolhessem seus alunos quando elas enfrentavam excesso de demanda. Obviamente, selecionavam os melhores, pois o custo da educação é menor. Com o mesmo valor dos vouchers para todos os alunos, o seu lucro era maior usando essa estratégia. O efeito colateral negativo foi o êxodo mencionado.

Estudos recentes sugerem alternativas que inibem e impedem este efeito. Uma delas é distribuir vouchers com maiores valores monetários para as famílias dos estudantes relativamente menos preparados. Esses maiores valores podem compensar os maiores custos da sua educação e tornar atrativas as suas escolhas pelas escolas que registram excesso de demanda. Outra é proibir que a escola escolha os seus alunos. Um sistema de sorteio se encarregaria de decidir os alunos de uma escola muito requisitada.

Em particular, a Suécia introduziu um sistema de vouchers em 1992, no qual as escolas tinham pouca liberdade de estabelecer as regras de admissão dos seus alunos. Os resultados sugerem que o desempenho das escolas públicas melhorou devido à maior competição entre escolas.

O conhecimento existente dos efeitos de um programa de vouchers é maior hoje. Sabe-se que seus resultados dependem, em grande medida, das características do programa, como as regras de admissão dos alunos, as políticas de preços e os incentivos para diretores e professores das escolas públicas e privadas. Se adequadamente implementado, pode beneficiar a maioria dos estudantes. E, last but not least, os pais sempre gostam da maior liberdade de escolha que o sistema de vouchers permite.

Apesar dos erros chilenos, a alternativa dos vouchers não deveria ser descartada e seria interessante uma discussão, sem paixões e dogmatismo, da adequabilidade da sua implantação no Brasil. Poderia ser um bom complemento para as atuais políticas educacionais implementadas no Brasil, que introduz formas de gerenciamento privado nas escolas públicas, como o estabelecimento de metas e a distribuição de bonificações em função dos resultados alcançados.

Eduardo de Carvalho Andrade, PhD em economia pela Universidade de Chicago e professor do Ibmec São Paulo. Email: eduardo.andrade@isp.edu.br.