Título: Pernambuco amplia programa com foco no Ensino Médio
Autor: Mandl , Carolina
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2008, Especial, p. A14

Como a maioria dos jovens pernambucanos, Sunamita Silva sempre estudou em escolas públicas. Seu perfil, porém, é uma exceção. Está mais próximo ao de uma garota cujos pais pagaram mensalidade em escola particular. Aos 18 anos, ela cursa engenharia química na disputada Universidade Federal de Pernambuco. Depois das aulas, divide o tempo entre o curso de espanhol e os círculos de leitura, com a "Odisséia", de Homero.

O empurrão para o bom desempenho de Sunamita veio de uma experiência inovadora em educação pública para o Ensino Médio, desenvolvida a partir de 2004 por um grupo de empresários em um colégio estadual do Recife, o Ginásio Pernambucano.

Agora, contrariando a tradição brasileira de descontinuar programas lançados em governos anteriores, o governador Eduardo Campos (PSB) - eleito em 2006 - decidiu não só manter o modelo desenvolvido pela iniciativa privada, como ampliá-lo. De 13 escolas, passou-se para 51 unidades, localizadas desde Recife até a sertaneja Cabrobó, com 20 mil habitantes. A ampliação do programa inclui os novos ingressantes do Ensino Médio. Quem está no 2º ano ou no 3º, ficou no modelo antigo. Para 2010, a meta é atender 50% dos alunos de Ensino Médio em 160 dos 340 colégios estaduais exclusivos com esse nível de ensino. Em 2014, pretende-se chegar à universalização.

Para colocar o projeto em operação, o governo investirá cerca de R$ 700 milhões nos próximos três anos. O Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE), que reúne os empresários, bancará a montagem dos laboratórios e das bibliotecas, além de ceder a metodologia de gestão. Por aluno de Ensino Médio, o investimento do Estado passará dos atuais R$ 1.200 anuais para R$ 3.500.

Os resultados obtidos pelo sistema explicam sua incorporação pelo governo que sucedeu Jarbas Vasconcelos (PMDB). As duas escolas de referência do programa (antigos Procentros) participaram do Enem em 2007 e conquistaram notas elevadas. No Ginásio Pernambucano, a média foi 62, enquanto Pernambuco registrou 53, e o Brasil, 54. Na Escola do Agreste, em Bezerros, a média foi 58.

No vestibular, com que a maioria dos alunos de rede pública nem ousa sonhar, o desempenho também foi positivo. Das 548 inscrições que os estudantes fizeram para o vestibular nas três universidades públicas do Estado, mais de 20% conseguiram aprovação, como Sunamita. "Meus pais nunca pensaram que eu poderia chegar tão longe", diz a estudante.

Outro ponto que pesou para o programa seguir adiante foi o fato de ele ter partido da própria sociedade - nesse caso, de um grupo de empresas, como Philips e Odebrecht, que se aliaram a ONGs. "Um dos grandes problemas da educação no Brasil é que ela sempre foi tratada como um programa de governo, não de Estado. Quando a sociedade se envolve, isso fica mais difícil de acontecer", afirma o ex-presidente da Philips Marcos Magalhães, idealizador do projeto e presidente do ICE.

No modelo testado em Pernambuco, as escolas estaduais de Ensino Médio são tratadas como empresas. Cada unidade tem metas a cumprir, a remuneração varia segundo o desempenho e punições podem ser dadas para quem não alcançar os objetivos, como o desligamento de um professor. Para medir os avanços, alunos e docentes fazem avaliações externas. Tudo isso amparado por um modelo pedagógico muito diferente do que se tem hoje como padrão na escola pública. Quando Sunamita chegou ao Ginásio Pernambucano, passou por seis meses de nivelamento para corrigir as deficiências do ensino fundamental. Fora isso, tinha aulas em período integral, três refeições diárias no colégio e visitas aos laboratórios de ciência e à biblioteca.

Em 60 das 160 escolas pernambucanas em que será implantado este modelo até 2010, os alunos terão rotina parecida com a de Sunamita. Outras cem escolas vão adotar um sistema novo, a jornada semi-integral, com aulas o dia inteiro duas vezes por semana. Foi uma forma que o Estado encontrou de ir implantando o regime em toda a rede aos poucos.

Seja em tempo integral seja em parcial, o governo também pretende incluir algum tipo de educação profissionalizante nas escolas. "Precisamos capacitar os jovens para que eles aproveitem as oportunidades que chegam ao Estado", afirma Danilo Cabral, secretário de Educação, referindo-se aos projetos bilionários que se instalam em Pernambuco, como o estaleiro Atlântico Sul e a refinaria Abreu e Lima. Por enquanto, essas aulas estão funcionando em cinco escolas e até o fim do ano serão iniciadas em mais 13 colégios.

Não é sem percalços, entretanto, que está se dando a expansão do modelo. Desde o início do ano, os professores não recebem o salário prometido para a jornada em período integral, que é praticamente o dobro da remuneração anterior. Só neste mês é que a lei com a mudança salarial foi sancionada.

Algumas alterações foram feitas no modelo lançado pelos empresários. Antes, eram permitidos alguns cargos comissionados, trazidos de outras escolas. Agora, só se admite quem for da rede estadual. Com isso, diretores de quatro colégios foram afastados. O sistema de avaliação dos professores também incluía a nota que os alunos davam a eles, algo que não conta mais.

Além disso, as obras físicas nos prédios para receber os alunos em período integral ainda não foram feitas. Acontecerão ao longo deste ano, segundo a Secretaria de Educação. Parte dos uniformes e dos livros também atrasou. O governo optou por acelerar a implementação do projeto mesmo que a estrutura física não estivesse pronta. No modelo anterior, as aulas só começavam quando a escola estivesse totalmente preparada.

Agora, o sistema novo, de aulas integrais e semi-integrais, e o antigo também passaram a conviver debaixo do mesmo teto, o que tem despertado ciúmes em alguns aulas. Isso porque o modelo só está sendo aplicado para os alunos do 1º ano do Ensino Médio. Além disso, foram selecionados para participar do projeto os melhores professores de cada escola.

"Os outros estudantes se sentem um pouco preteridos", diz Sandra de Carvalho, gestora da escola Silva Jardim, no Recife. Para contornar o problema, os professores se mobilizam para dar aulas de reforços a esses jovens, ainda que não recebam pelas aulas-extras.

Mesmo que os prédios ainda não sejam os ideais, pais, alunos e professores parecem aprovar as mudanças. Nas reuniões escolares, a presença dos pais tem crescido. "Antes, o encontro de pais e mestres praticamente não existia. Ninguém vinha. Neste ano, tive de contornar o feliz problema de não ter cadeira suficiente. Parece que os pais passaram a acreditar na escola", afirma Sócrates Figueiredo, gestor do colégio Paulo Guerra.

Os resultados mais concretos da aceleração do programa pelo governo só poderão ser medidos de forma mais concreta daqui a três anos, quando os alunos tiverem concluído o 3º ano. Para Magalhães, do ICE, a chave para o sucesso é simples: "Sempre existe o risco de a opção por acelerar a quantidade atrapalhar a qualidade. A manutenção do bom desempenho vai depender da cobrança de resultados por parte do Estado."