Título: Música religiosa desafia crise e atrai competidores internacionais
Autor: Bispo , Tainã
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2008, Empresas, p. B3

Daniel Nunes Romero, diretor da CanZion no Brasil: gravadora especializada em música gospel, com sede nos EUA, planeja comercializar no país cerca de 100 mil CDs no ano que vem Você pode nunca ter ouvido falar da cantora Fernanda Brum, mas ela vende quase tantos discos quanto Ivete Sangalo, faz de 12 a 15 shows por mês e, às vezes, precisa de seguranças para organizar a multidão que se cria à sua volta. Em 14 anos de carreira, ela lançou oito álbuns e acumula 3 milhões de cópias vendidas. O CD mais recente, lançado em março, já superou as 50 mil cópias e ganhou um disco de ouro.

Com tanta popularidade, a cantora só não tem um fã-clube porque não quer. Aliás, faz questão disso. "Uso a música para comunicar o evangelho", diz. Junto com outros artistas, como Aline Barros e a Banda Khorus, ela faz parte de um setor que desafia a crise da indústria fonográfica: o mercado da música religiosa.

Puxado pelas gravadoras evangélicas, o segmento está conseguindo o milagre de continuar a crescer quando quase tudo ao redor está em queda acelerada.

No ano passado, as vendas de CDs e DVDs movimentaram R$ 312,5 milhões no Brasil, com queda de 31,2% em comparação a 2006. Em unidades vendidas, a diminuição foi de 17,2%, para 31,3 milhões de cópias, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD).

Não há dados específicos sobre a música religiosa, mas as expectativas no setor são positivas. Gravadoras especializadas como a MK Music, uma das maiores do país, e a Unirecords, de médio porte, afirmam passar por uma expressiva fase de crescimento, embora não divulguem seus resultados. "Dobramos de tamanho no ano passado e planejamos repetir esse crescimento em 2008", diz Ivanildo Medeiros Nunes, diretor administrativo da Unirecords.

No mercado, a projeção é de que as vendas de CDs religiosos movimentam anualmente cerca de 25 milhões de unidades, com uma receita mínima de R$ 250 milhões, diz Milena Pinho, gerente de vendas da MK. Os números baseiam-se, em parte, no desempenho dos principais artistas do setor.

Fernanda Brum, contratada da MK, vende 300 mil cópias por lançamento. É um desempenho que não faz feio diante de sucessos como o CD "Multishow Ao Vivo - Ivete no Maracanã" (Universal Music). O disco da musa do axé vendeu 355 mil cópias desde março de 2006, tornando-se o segundo álbum mais vendido em 2007, segundo a ABPD. No terceiro lugar ficou o CD "Palavras de Amor ao Vivo", da dupla César Menotti e Fabiano (também da Universal), que vendeu 300 mil cópias, a média de Fernanda. Mas nem o axé ou as duplas românticas foram páreo para outro expoente da música religiosa - o padre Marcelo Rossi - cujo álbum "Minha Benção" (SonyBMG), vendeu 1,1 milhão de cópias entre 2006 e o ano passado, ocupando o primeiro lugar no ranking da ABPD.

O fenômeno da música religiosa no país é tamanho que começa a atrair gravadoras internacionais especializadas no gênero. A CanZion, uma das maiores do mundo na área, está desembarcando no país. Fundada no México, há 20 anos, a empresa atualmente está sediada no Texas, nos EUA.

Os discos da CanZion já chegavam ao país por meio de uma distribuição terceirizada, mas agora a companhia montou um escritório próprio em São Paulo. "A gravadora demorou para chegar por causa da língua, mas o Brasil é a bola da vez", diz Daniel Nunes Romero, diretor geral da gravadora no país.

O primeiro lançamento da CanZion será o CD de Marcos Witt. O músico, que já vendeu mais de 7 milhões de cópias, é pastor da Lake Wood Church (uma das maiores igrejas recentes dos Estados Unidos) e um dos fundadores da gravadora. Para 2009, o plano é lançar outros artistas que já estão em catálogo, além de dez cantores brasileiros. "Estamos trabalhando nisso", diz Romero.

O projeto prevê a distribuição em lojas como Fnac, Submarino.com e Americanas.com, em três mil pontos-de-venda especializados em produtos cristãos e outros 30 mil sites. "Acreditamos que 30% das vendas ocorrerão no varejo e 70% pelas igrejas e pontos especializados", diz o executivo. "Nossa idéia é vender 100 mil CDs no Brasil em 2009."

O rápido crescimento dos evangélicos tem impulsionado os negócios em torno da música religiosa, mas há outro ponto importante: a pirataria - tanto física como na internet - é menor que no resto da indústria. A explicação está ligada às próprias convicções religiosas do consumidor. "Pirataria é pecado", diz Milena Pinho, da gravadora MK.

Por causa dessa pirataria branda, o Carrefour tem olhado com mais atenção para o segmento. "Não temos problemas com a concorrência dos CDs piratas, o que nos garante maior rentabilidade", diz Anderson Paiva, diretor de desenvolvimento de vendas de bazar (área que inclui discos) da rede.

Como no resto da indústria fonográfica, as gravadoras religiosas também estão migrando para a web. A MK começou a testar a oferta on-line de suas músicas em 2004. A Unirecords avalia o modelo. "Até o fim do ano devemos vender algumas faixas no site, talvez de músicos novos, como forma de divulgação", diz Nunes.

No exterior, a CanZion já colocou seu catálogo à disposição do consumidor na iTunes, a loja dedownloads da Apple. No Brasil, a própria gravadora pretende cuidar do comércio eletrônico. "Estamos estudando o preço do download", conta Romero.

Na loja de música virtual iMusica, um dos trabalhos em andamento é convencer as gravadoras a acelerar sua entrada na internet. "Como a pirataria não é tão grande no mercado gospel, a adesão [das gravadoras] não foi tão rápida como as de música secular", diz Felippe Llerena, diretor-executivo e de conteúdo do iMusica. Uma das prioridades é levar a música religiosa para o celular, já que parte dos evangélicos no Brasil estão em classes mais populares. "O celular é o lugar para esse tipo de consumo; 2009 será o ano da música gospel no aparelho", afirma Llerena.