Título: Setor financeiro deve encolher, diz Rogoff
Autor: Balarin , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2008, Finanças, p. C4
O economista Kenneth Rogoff estima que o crescimento do Brasil ficará pouco abaixo de 3% no próximo ano A crise que teve início no setor financeiro americano já completou um ano e todos se perguntam quanto tempo mais ela irá durar. Mas a questão mais importante, segundo o economista Kenneth Rogoff, deveria ser a de como os países estão reagindo a ela. "Alguns dirigentes se tornaram verdadeiras celebridades por conta do forte crescimento econômico com baixa inflação. Agora, há um problema político, uma dificuldade de tomar medidas que provoquem a desaceleração da economia como forma de combater a inflação", diz Rogoff, ressaltando que isso poderá aprofundar a crise econômica mundial e torná-la mais ainda mais longa.
Ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor da Universidade de Harvard, nos EUA, Rogoff acredita que dois personagens principais estão resistindo a tomar medidas mais fortes para conter a demanda: Estados Unidos e China. O país asiático, segundo ele, é o que mais preocupa e representa um risco significativo de amplificação da crise. "O crescimento econômico chinês e o nível de investimento nos patamares atuais são insustentáveis. Eles não sabem como lidar com a inflação e não tem um administrador da crise. O Banco Central chinês não tem poder", explica o professor, que fez ontem uma exposição no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, para uma seleta platéia, formada por nomes como Pedro Moreira Salles, presidente do Unibanco, Jorge Paulo Lemann, um dos controladores da InBev/Anheuser Busch (que quis saber a opinião do economista sobre a trajetória do dólar) e o próprio ex-presidente FHC.
Na apresentação, Rogoff lembrou-se de uma passagem de quando ainda estava no FMI (ele ficou lá entre 2001 e 2003). Ele se sentou com as autoridades chinesas para discutir a necessidade de flexibilização da moeda, o yuan. Caso contrário, explicava o FMI, o país acabaria tendo de enfrentar a inflação. "Bem, na época a inflação deles era zero. Aí eles nos diziam: ok, nos procuramos vocês quando isso acontecer." Agora, Rogoff acredita que poderá ter chegado a hora. O economista tem esperança de que, passada a Olimpíada de Pequim, a China poderá vir a permitir a flutuação do yuan e partir para a reorganização de seu sistema financeiro.
Em linhas gerais, a linha de raciocínio do professor de Harvard é a de que o mundo viveu recentemente seu mais notável período de crescimento econômico da história moderna. A expansão provocou uma forte demanda por commodities e os preços subiram. A procura continua superior à oferta de produtos como metais e energia e isso tem um impacto significativo na inflação mundial. Para ele, é preciso adotar duas medidas. A primeira é a de parar de estimular a demanda, com medidas como a elevação das taxas de juro. A segunda é a de permitir a consolidação do sistema financeiro mundial, que nos últimos anos dobrou seu peso no PIB mundial, para 7%.
"O caminho natural para essa consolidação seria simplesmente deixar os mais fortes absorverem os mais fracos. Algumas empresas precisam simplesmente sair do negócio. Mas na indústria financeira há uma enorme resistência para que isso aconteça", explica Rogoff. Alguns casos são as ajudas dadas pelo governo americano a instituições como as companhias hipotecárias Fannie Mae e a Freddie Mac (US$ 25 bilhões) e o banco Bear Stearns. O mercado financeiro precisa encolher, diz ele, porque a necessidade de serviços diminuiu e alguns produtos não voltarão a existir.
Risco sistêmico parece não ser uma preocupação para Rogoff. Para ele, a tentativa de se resistir à consolidação é pior e muito mais perigosa do que se as autoridades deixassem algumas instituições quebrar nesse momento. "Além disso, o destino do Bear Stearns não teria sido diferente se a taxa de juro americana estivesse em 4%, como na Europa." Rogoff não esconde que atual crise financeira é a pior desde a Segunda Guerra Mundial. E que a forma como os governos titubeiam no combate à inflação só agrava a situação.
O também economista Edmar Bacha, consultor sênior do Itaú BBA, que dividiu a mesa com Rogoff no evento de ontem, fez uma intervenção ressaltando que talvez a situação não seja tão ruim assim. Ainda há no mundo excesso de oferta de força de trabalho e poupança. Além disso, outros fatores que não o excesso de demanda influenciaram o preço das commodities e em várias partes do mundo o núcleo de inflação não apresentam forte trajetória de alta. "O problema de se olhar o núcleo de inflação, que exclui, por exemplo, preços de energia, é que isso pressupõe que a alta das commodities é transitória. E embora eu acredite em desaceleração dos preços das commodities, vejo-as em um novo patamar, a exemplo do que ocorreu nos anos 70", rebateu o economista.
Apesar do tom negativo para a economia mundial, Rogoff fez vários elogios ao Brasil. Disse que a autoridade monetária do país tem reagido à alta da inflação, mais alinhada à política do Banco Central europeu do que à do Federal Reserve (Fed, banco central americano). ele também disse que, mesmo com uma redução no crescimento da China (sua previsão é de há 50% de chance de que a expansão do país asiático possa cair a 6% anuais nos próximos dois anos), o país não teria grandes problemas, apesar de ser um grande exportador de commodities. Segundo Rogoff, o Brasil tem um colchão, vai ter uma redução de crescimento, mas tem avançado significativamente em tecnologia, por exemplo. "No ano passado, estive no Pantanal e visitei uma empresa de empacotamento de carne. Fiquei impressionado." Sua previsão para o crescimento do país em 2009 é de pouco menos de 3%, em comparação com uma expansão mundial de 3,5%.
Mas sempre há poréns. Rogoff faz questão de ressaltar que o Brasil precisa de mudanças em áreas como trabalho, educação e também necessita de mais investimentos, principalmente em infra-estrutura. Os "senões" foram seguidos por um "thanks president Cardoso" por sua imensa contribuição (para o cenário econômico brasileiro atual). Nessa hora, o ex-ministro Pedro Malan, sentado ao lado de Rogoff, piscou para o ex-presidente FHC, que sorriu, orgulhoso.