Título: Barbosa já prevê a desaceleração das operações de crédito em 2009
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/08/2008, Finançãos, p. C10

Sérgio Zacchi/Valor Fábio Barbosa: o desafio de integrar Santander e Real sem prejudicar o atendimento dos clientes O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Fábio Barbosa, já conta com a desaceleração do crédito em 2009 por conta do processo de elevação dos juros, para ele necessário para deter a a inflação.

Barbosa ressaltou que algumas linhas de crédito mais expressivas como o consignado e o financiamento de veículos já crescem em ritmo menor. Pesquisa da Febraban junto a associados prevê para 2009 a expansão de 22,64% do crédito, abaixo dos 27,51% esperados para este ano. Para as operações de veículos os analistas projetam 24,76% para 2008 e 19,66% para 2009.

No epicentro de uma das mais importantes operações corporativas do momento, a absorção do Banco Real pelo Santander, Barbosa concedeu esta entrevista ao Valor por escrito e não quis comentar a fusão que vem ocupando quase que integralmente seu tempo. A seguir, a entrevista:

Valor:

Fábio Barbosa Difícil prever se o fim está próximo, ou se a crise se estenderá por muito mais tempo - como aconteceu, por exemplo, com o Japão na década de 1990. Muita gente tem feito esse paralelo. Mas se há semelhanças, há também muitas diferenças. As enormes mudanças por que o sistema financeiro passou de lá para cá sem dúvida nenhuma resultaram em incremento econômico por toda a parte. As taxas de crescimento real, no âmbito global, foram as melhores durante alguns anos. Os Estados Unidos, onde o desenvolvimento financeiro foi mais marcante, tiveram uma recessão suave em 1990 e outra ainda mais branda em 2001. A inflação mundial caiu, bem como sua variância. Tudo isso aconteceu contra um cenário de choques expressivos, como a falência do fundo LTCM, uma série de quebras de companhias importantes, o colapso da Nasdaq e outras bolsas no final dos anos 1990 e os atentados de 11 de setembro. Por outro lado, estamos diante de um cenário muito diferente, com novos agentes, de novos instrumentos e de novos mercados. Temos algo novo, e muito relevante, acontecendo na China. Acho que ainda estamos tentando entender o impacto que isso está causando e vai causar. Tudo ficou maior, mais complexo, mais nebuloso e mais rápido. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) admite que os mercados financeiros continuam frágeis e os indicadores de risco sistêmico ainda são preocupantes. Portanto, qualquer previsão seria um chute.

Valor: Como isso tudo vai afetar o Brasil?

Barbosa O Brasil pode ser, aliás, já está sendo afetado pelo lado do comércio e pelo lado financeiro. Pelo lado do comércio, havendo uma recessão longa nos Estados Unidos, a tendência é o comércio mundial diminuir. Entretanto, não será como antes, quando os EUA eram a locomotiva do mundo. Hoje você tem várias locomotivas alternativas. A principal é a China, mas tem a Índia, tem outros emergentes. O próprio Brasil, inclusive. Estamos frente a uma economia global mais fraca e com possível acomodação dos preços das commodities, o que afeta, mas moderadamente, o comércio internacional brasileiro. Pelo lado financeiro, o impacto ocorre na redução dos fluxos de capital estrangeiro para o país, na forma de aplicações de residentes no exterior em títulos e ações locais, na captação de recursos via lançamento de títulos e empréstimos no exterior. O lado financeiro já está sendo notado. As empresas brasileiras, inclusive bancos, que estavam recorrendo mais ao mercado externo, têm dirigido a captação para o mercado doméstico - o que contribui para elevar as taxas de mercado para todos os tomadores, bancos inclusive. Ou seja, aumentou a demanda, sem ter aumentado a oferta de dinheiro. Assim, como o dinheiro fica raro, ele fica caro.

Valor: Considera necessário o atual movimento de elevação dos juros? Por quê? Qual sua previsão para a taxa Selic no final do ano?

Barbosa Entendo a elevação da Selic em 0,75 de ponto como a tradução concreta das declarações do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, no Congresso, de que o BC agiria "vigorosamente" e faria "o que for necessário" para trazer a inflação para o centro da meta. A maior parte dos analistas dos bancos consultados regularmente pela Febraban espera, agora, uma Selic de 14,70% no final deste ano e de 13,88% para 2009. Antes da última reunião do Copom, estimavam 14,25% para o final de 2008 e 12,50% para 2009. Em função do surto inflacionário, doméstico e internacional, aumentou a incerteza sobre o teto de juros que será necessário para estabilizar os preços. Assim, justifica-se que os bancos, agora, projetem uma queda menor da Selic para 2009. Ou seja, a tendência é de a queda ser lenta e gradual. Mas para 79,2% dos analistas, o atual ciclo de aperto monetário será suficiente para conter as expectativas de inflação e trazê-la para o centro da meta em 2009.

Valor: Qual impacto que o movimento dos juros deve ter no crédito?

Barbosa Algumas modalidades já estão diminuindo o ritmo, entre elas veículos e consignado, que são duas carteiras expressivas. A pesquisa da Febraban indica, após a reunião e a Ata do Copom, uma continuidade da expansão das operações de crédito em todos os segmentos, especialmente para as operações com pessoas físicas, esta da ordem de 27,51%. Mas já havia analistas indicando a possibilidade de arrefecimento da expansão do crédito para este ano. Para 2009, a expectativa é de desaceleração das operações de crédito, para, em média, 22,64%. O financiamento de veículos deve crescer 24,76% para 2008 e 19,66% para 2009.

Valor: A inadimplência já inspira preocupação?

-------------------------------------------------------------------------------- Concorrência sempre é bom. Mas é preciso que haja concorrência com regras iguais para todos" --------------------------------------------------------------------------------

Barbosa Com a renda e o emprego em níveis recorde como estão, a inadimplência não preocupa. De acordo com as projeções da Febraban, mesmo com o aumento das operações de crédito, espera-se que a taxa de inadimplência permaneça estável, tendo sido projetada em 4,26% na última pesquisa, frente aos 4,71% registrados em 2007. Para 2009, a projeção era de 4,02%.

Valor: Alguns economistas ainda acham necessário elevar os compulsórios sobre os bancos.

Barbosa O Brasil já tem o compulsório disparadamente o mais elevado de todo o mundo - 45% sobre depósitos à vista, sem remuneração, contra 12% na China e percentuais muito mais baixos na maioria dos países. Mas não são só esses 45%. Na verdade, se somar os 8% remunerados pela Selic, os 2% para microcrédito e os 25% para crédito rural, de cada R$ 100,00 de depósitos, os bancos só podem efetivamente utilizar R$ 20,00. E ainda há os R$ 15,00 que precisam ficar em caixa para atender as demandas diárias de saques. Não acredito que haja espaço para aumento.

Valor: O que os bancos podem ainda fazer para melhorar a vida dos seus clientes?

Barbosa Continuar inovando em serviços e produtos. A Febraban está trabalhando no Débito Direto Autorizado (DDA), que objetiva passar para o meio eletrônico pelo menos a metade das cobranças que hoje são cursadas em bloquetos de papel. Os bancos já estão trabalhando em produtos e serviços derivados do DDA que devem estar concluídos dentro de um ano. Vai ser uma revolução, como foi a introdução do código de barras na década de 90. O sistema permitirá que todos os compromissos de pagamentos sejam recebidos eletronicamente, por meio dos bancos que atendem pessoas físicas e jurídicas, e os valores das transações, automaticamente creditados na conta corrente dos clientes credores.

Valor: Qual vai ser sua principal tarefa quando estiver comandando tanto o Real quanto o Santander?

Barbosa A principal tarefa será fazer a integração das duas organizações sem prejudicar o atendimento ao cliente.

Valor: Como vê a expansão do Banco do Brasil sobre os bancos estaduais?

Barbosa Concorrência sempre é bom. Mas concorrência com regras iguais para todos. Os bancos públicos têm reservas de mercado, como as reservas das seguradoras, as contas de repasses de verbas de ministérios e o fundo de participação dos municípios, repassados pela União. Além disso, temos os depósitos judiciais que só podem ser feitos em bancos públicos. Ou seja, essa é realmente uma captação a custo zero - porque depósito à vista não é custo zero; tem todo o custo da manutenção da rede de agências, entre outros.

Valor: Acha que os bancos privados deveriam poder disputar esses bancos com o BB?

Barbosa Sem dúvida. Se queremos concorrência e se a concorrência é boa para a economia, para o consumidor e para as próprias empresas, então os bancos privados devem poder competir pelos bancos estaduais no mesmo plano que o BB.