Título: Governo quer cobrar mais por pré-sal
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2008, Brasil, p. A6

O governo vai respeitar as regras de exploração de petróleo nos campos da camada pré-sal já leiloados, mas decidiu que aumentará a cobrança de participações especiais da União nessas áreas. A decisão afeta os campos de pré-sal obtidos pela Petrobras e outras empresas no último leilão. "Não se mexe nos contratos antigos, mas o governo deve aumentar a participação, porque a legislação permite que isso seja feito", informou ao Valor um ministro envolvido nas discussões do pré-sal.

De acordo com a legislação vigente, o governo pode aumentar as participações especiais (PE) por meio de decreto presidencial. A idéia é fazer isso nos campos de pré-sal já leiloados para aumentar a arrecadação oficial nesses poços, sem alterar as regras de exploração que vigoraram até a última licitação promovida pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).

Por causa da descoberta de megacampos na camada pré-sal, o governo suspendeu, no fim do ano passado, a realização de novos leilões e, desde então, estuda alterações na Lei do Petróleo. A avaliação corrente no governo é que, face à forte alta dos preços do petróleo nos últimos anos e também às novas descobertas no Brasil, as participações especiais estão defasadas.

Atualmente essas participações incidem apenas sobre campos com produção de petróleo superior a 2,850 milhões de barris por trimestre, ou seja, sobre poços considerados de alta produtividade. A incidência varia de 5% a 40% sobre a produção que supera o limite de isenção. Na medida em que o governo não alterou o valor das participações nos últimos anos, a alta dos preços de petróleo criou uma distorção. Em 1998, um campo que produzia US$ 40,5 milhões num trimestre era isento de pagar participações especiais. Há dois meses, um poço que tenha produzido o equivalente a US$ 368 milhões também ficou isento. No primeiro trimestre do ano, das 74 plataformas continentais, apenas 14 pagaram participações especiais. Das plataformas em terra, somente seis o fizeram.

O campo de Marlim foi o que pagou o maior percentual de PE entre janeiro e março - 31,2%. Na média, as empresas que exploram petróleo no país pagaram apenas 18,05% naquele período. Em 2007, a arrecadação de participações especiais chegou a R$ 7,1 bilhões.

Apenas metade desse valor, na proporção de 40% para o Ministério das Minas e Energia e 10% para a pasta do Meio Ambiente, foi parar nos cofres federais. O restante foi distribuído para os Estados e municípios produtores de petróleo. O governo e a ANP têm informações de que as empresas privadas que atuam no setor aceitam, sem grandes restrições, pagar um valor de participação especial mais elevado que o atual.

O governo já decidiu, segundo um assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mudará a regra de distribuição de royalties incidentes sobre o petróleo a ser explorado na camada pré-sal. A mudança, assegurou a fonte, não prejudicará os municípios que atualmente recebem o benefício.

"É evidente que haverá mudança na legislação de royalties, e isso não é contra ninguém", disse um ministro. "É insustentável nessa escala (de produção de petróleo) manter o atual regime de distribuição de royalties, que beneficia meia centena de cidades no país. De qualquer forma, as cidades que já recebem não vão perder."

No debate sobre o que fazer com as descobertas de petróleo na camada pré-sal, o governo estuda criar uma estatal para administrar os novos campos. Entre outras razões, planeja fazer isso, explicou um ministro, porque desconfia do "corporativismo da Petrobras" e de sua força dentro da burocracia estatal. Está bem viva na memória da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a queda-de-braço travada com a diretoria da empresa em torno do fornecimento de gás para as usinas termelétricas.

Desobedecendo às determinações do governo, a Petrobras se recusou, entre 2003 e 2007, a entregar gás natural às usinas, o que levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a multar a estatal. A batalha durou quatro anos e meio e só foi vencida pelo governo quando Dilma conseguiu demitir, em agosto do ano passado, um dos diretores da estatal - Ildo Sauer, ex-diretor de gás e energia, ligado ao PT.

Ainda não há uma decisão sobre a criação da nova estatal, embora essa possibilidade seja hoje a mais forte dentro do governo. Segundo assessores do presidente, a vantagem de criar uma estatal, inspirada no modelo da Noruega, em vez de entregar a administração das novas reservas de petróleo a um órgão público, estaria no fato de que, numa estatal, o governo tem a possibilidade de contratar técnicos de alto nível, enquanto na administração direta isso é limitado pelos baixos salários e pela necessidade de realização de concurso público.

O debate, no entanto, ainda não foi concluído, o que só deverá acontecer no fim do ano. "As discussões não estão maduras", informou um ministro.

O presidente Lula voltou a dizer ontem, durante evento da Vale do Rio Doce em Barcarena, no Pará, que o objetivo do governo é aproveitar os recursos que serão gerados pela exploração da camada pré-sal do litoral brasileiro para investir no setor educacional. Segundo ele, os reservatórios não pertencem à Petrobras, mas à União. "Há alguns que acham que o petróleo é da Petrobras. O petróleo é da União. A Petrobras é da União, embora tenha acionistas estrangeiros minoritários", disse o presidente.

"O que nós vamos fazer com esse petróleo? Vender pura e simplesmente? Quem quiser pode tirar petróleo aqui e levar quanto quiser? Não. Deus não nos deu isso para que a gente continue a burrice", afirmou Lula. Na visão do presidente, os reservatórios de petróleo e gás na região são "mais uma chance" dada por Deus para o país tentar corrigir erros do passado. "O lucro vai ficar apenas para as empresas ou parte desse lucro vai ficar para fazer as reparações históricas do que se cometeu nesse país?", perguntou. (Com Valor Online)