Título: Por crédito de ICMS, indústria fumageira migra de RS para SC
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2008, Agronegócios, p. B12

O início oficial das obras da unidade de processamento de fumo da gaúcha Continental Tobaccos Alliance hoje, em Araranguá, no litoral sul catarinense, marca uma nova etapa na migração de indústrias fumageiras do Rio Grande do Sul para Santa Catarina.

O movimento, iniciado em abril de 2006 com a transferência de uma planta da Universal Leaf Tabacos de Venâncio Aires para Joinville, é causado pelas restrições ao aproveitamento de créditos de ICMS acumulados nas compras interestaduais do produto in natura para beneficiamento e exportação e agora pode ser acompanhado por outras empresas como a Alliance One e a Brasfumo.

Segundo o presidente do Sindifumo, que representa as indústrias do setor, Iro Schünke, de 75% a 80% do fumo para cigarros produzido no Brasil (foram cerca de 700 mil toneladas neste ano exclusivamente na região Sul, com valor estimado de R$ 3,8 bilhões) é beneficiado no Rio Grande do Sul.

As exportações absorvem 85% da produção e geraram US$ 2,2 bilhões em 2007, sendo 77% correspondentes aos embarques a partir do Estado. Conforme o dirigente, os estoques de créditos não aproveitados pelas empresas gaúchas somam mais de R$ 200 milhões e poderiam ser usados como pagamento a fornecedores de produtos e serviços.

Só a Alliance One, maior exportadora de fumo do Rio Grande do Sul, informou que tem mais de US$ 100 milhões em créditos. A companhia, que faturou US$ 539 milhões com o embarque de 168,7 mil toneladas em 2007 e tem capacidade para beneficiar 230 mil toneladas por ano em Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires (RS), está negociando com os dois Estados a instalação de uma nova planta. Segundo o diretor regional para a América do Sul, Eduardo Renner, a empresa chegou ao "limite" da capacidade de acumulação de créditos no Rio Grande do Sul.

Com a descentralização das unidades industriais, as fumageiras reduzem o passeio de matéria-prima entre Santa Catarina, que em 2007 produziu 33,1% do fumo nacional, e o Rio Grande do Sul, que respondeu por 49,9%. Nas compras interestaduais há incidência de 12% de ICMS, mas nas aquisições dentro dos Estados o recolhimento é diferido (transferido) para o momento da venda do fumo processado para a indústria de cigarros. Assim, como as exportações são isentas, os embarques a partir da região de origem do fumo não geram créditos. "Com o câmbio nos patamares atuais, as empresas não podem abrir mão dessa vantagem", comenta Schünke.

Na prática, conforme o secretário adjunto da Fazenda do Rio Grande do Sul, Ricardo Englert, o estoque de créditos parou de crescer desde 2005 graças a um acordo preliminar com Santa Catarina. O acerto prevê que o governo catarinense considere que o fumo produzido lá e beneficiado no Rio Grande do Sul volta para o Estado de origem, anulando o crédito tributário, mesmo que a exportação ocorra a partir do porto gaúcho de Rio Grande. O problema é que o acordo precisa ser confirmado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o que gera insegurança jurídica e interfere nos planos de investimentos das empresas, admite Englert.

"Estamos negociando (a efetivação do acordo) com Santa Catarina e Paraná", diz o secretário gaúcho. Segundo ele, o ex-governador Germano Rigotto (PMDB) já havia negociado com as empresas a liberação parcelada dos créditos de 2005 a 2011, mas a governadora Yeda Crusius (PSDB), quando assumiu, alongou o prazo até 2013 devido às dificuldades financeiras do Estado. Hoje as autorizações limitam-se a R$ 1,5 milhão por mês. "Mas também estamos tentando achar formas de aumentar esse valor", explica. De acordo com ele, os créditos acumulados no Estado somam R$ 150 milhões.

Conforme o diretor de arrecadação da Secretaria da Fazenda de Santa Catarina, Almir Gorges, o Estado não alterou a lei para atrair as fumageiras. "O que elas estão fazendo é um planejamento tributário, querendo comprar produção sem ICMS e exportar", diz.

Para quem acumula créditos no Estado, o governo local libera, desde 2007, o aproveitamento mensal de R$ 30 milhões pelas exportadoras de todos os setores, conforme a participação de cada uma no estoque total, e permite o uso de saldos adicionais para pagamento de energia fornecida pela estatal Celesc e para venda à SC Parcerias, uma empresa pública constituída para investir em infra-estrutura.

Para o presidente do Sindifumo, a migração de empresas pode alterar a participação dos dois Estados na produção nacional de fumo e na distribuição dos empregos gerados pela indústria. Dos 30 mil postos de trabalho diretos atuais, 25 mil estão no Rio Grande do Sul, calcula Schünke. Conforme a entidade, o Estado concentra ainda cerca da metade das 180 mil famílias que se dedicam à cultura no Sul do país. Para o vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Heitor Petry, se não houver solução para o aproveitamento dos créditos as indústrias poderão reduzir os preços pagos aos agricultores para manter a competitividade do fumo nacional no mercado externo.

O presidente da CTA, Allan Kardec Bichinho, não foi localizado para comentar o assunto, mas conforme o governo de Santa Catarina a planta em Araranguá receberá investimentos de R$ 25 milhões, terá capacidade para processar 35 mil toneladas anuais a partir de 2009 e deverá faturar R$ 200 milhões por ano. Em 2006, segundo informações na sua página na internet, a empresa teve receita líquida de R$ 472,5 milhões.

A Brasfumo também não se manifestou, mas segundo o prefeito da cidade catarinense de Itaiópolis, Ivo Gelbcke (PSDB), a prefeitura local doou um terreno onde a empresa pretende construir inicialmente, até novembro, uma central de compras de fumo. A Universal informou, por meio da assessoria, que pretende manter as operações divididas entre os dois Estados.

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