Título: Investimento e vagas devem tornar mais suave a desaceleração
Autor: Lamucci ,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2008, Brasil, p. A3

Paulo Pereira Miguel, economista da Quest: investimentos podem realimentar expansão do consumo doméstico Desde o início do ano a área econômica do governo começou, em pílulas, a adotar medidas para desaquecer a economia, como o aumento na alíquota de IOF sobre operações de crédito e a alta de 1,75 ponto percentual na taxa básica de juros da economia brasileira. O efeito concreto sobre o nível de atividade ainda não apareceu nos indicadores de produção industrial e de vendas no varejo. Para economistas consultados pelo Valor, a desaceleração do atual ciclo de crescimento econômico virá, mas será menor e mais lenta do que a ocorrida a partir de setembro de 2004 - quando o Comitê de Política Monetária (Copom) também iniciou um ciclo de aperto monetário -, porque agora o investimento é mais expressivo e está mais barato, e também porque o consumo está ancorado em empregos de maior qualidade.

Nos anos de 2003 e 2004 a taxa de investimento variou entre 15,5% e 16% do Produto Interno Bruto (PIB), percentual que foi de 17,5% no ano passado, acelerou para 18,3% no primeiro trimestre deste ano e provavelmente vai superar 18,5% nos dados de junho, ainda a serem divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Caio Prates, coordenador do grupo de conjuntura do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), observa que o nível real de juros está bem mais baixo no atual ciclo de crescimento quando se olha para a taxa real medida pela comparação do juro privado de um ano (o swap 360 dias) e as expectativas de inflação para os próximos 12 meses. "No auge do ciclo de alta de juros de 2004 e 2005, essa taxa chegou à casa de 13%. Desta vez, está abaixo de 9%", observa.

Outra referência, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que baliza os empréstimos do BNDES, também é menor: rodou entre 11% e 9,75% entre 2003 e 2004 e está em 6,25% desde meados de 2007. Com o aumento forte do consumo doméstico de máquinas e equipamentos e da construção civil, o investimento segue em trajetória forte, como ressalta o estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz. No primeiro semestre, a produção de insumos típicos para a construção civil cresceu 9,9% em relação a janeiro a junho, o melhor resultado para o período desde 1991.

Conforme dados do IBGE, a produção industrial de bens de capital para a construção aumentou 6% no acumulado de janeiro a junho, contribuindo para elevar a produção geral de bens de capital em 17,1% no semestre. Outros segmentos da indústria de bens de capital apresentaram índices mais altos, como bens para fins industriais (10%), bens de capital agrícolas (42,8%), para o setor de energia elétrica (14,3%) e para equipamentos de transporte (28,3%).

Outro indicador confirma que as empresas continuam a investir bastante: o consumo aparente de máquinas (produção mais importação, menos exportação) ocorrida no segundo trimestre, que o Bradesco estima em 22,3% em relação ao mesmo período de 2007. Esses dados, que confirmam um segundo trimestre ainda forte para o investimento, já são diferentes em relação ao ciclo de 2004. Naquela oportunidade, a alta de juros começou em setembro, fim do terceiro trimestre, e já no trimestre seguinte (o quarto de 2004) a formação bruta de capital fixo (FBCF) mostrou desaceleração e deu uma contribuição negativa, de 0,96% para o crescimento do PIB naquele trimestre.

Caio Prates, da UFRJ, acrescenta um fator "emocional" ao quadro. Para ele, há hoje um otimismo maior quanto às perspectivas para a economia brasileira e isso deve fazer com que o investimento não perca fôlego abruptamente. Atualmente, a percepção é de que o país possa crescer a taxas mais altas. De 1980 a 2003, o crescimento médio da economia foi de 2,3% ao ano, número que aumentou para 4,6% entre 2004 e 2008 - considerando uma expansão de 4,8% neste ano.

"No ciclo de aperto monetário anterior (entre 2004 e 2005), o investimento teve uma desaceleração forte, o que não deve ocorrer desta vez", afirma Prates. Ele nota que o panorama para os setores produtores de commodities continua muito positivo, mesmo com a recente queda dos preços desses produtos. "Elas caíram, mas devem se acomodar num patamar superior ao do ano passado", afirma. O economista prevê que as empresas que produzem commodities seguirão investindo significativamente nos próximos anos. Para este ano, a expectativa do Bradesco é de que a formação bruta de capital fixo cresça 12%, um pouco abaixo dos 13,4% do ano passado, mas um número ainda bastante forte. Para 2009, a aposta é de um incremento de 8,8%.

O economista da Quest Investimentos Paulo Pereira Miguel também acredita que os investimentos tenderão a mostrar resiliência ante à alta dos juros, por sua própria natureza. "A maioria dos projetos estão focados nas áreas de infra-estrutura, construção civil, siderurgia e mineração. Foram programados no longo prazo e vão continuar a despeito da gestão macroeconômica de curto prazo", sentencia. Ele acrescenta que boa parte dos investimentos são realizados por grandes grupos, que têm facilidade de obter financiamento externo a juros mais baixos. "O cenário aponta para uma desaceleração da demanda privada em situação melhor do que nos ciclos anteriores de aperto monetário, colocando o crescimento do PIB a 3,5% no ano que vem", afirma.

Como efeito indireto, tais investimentos ajudarão a manter aquecido outro motor da demanda: o consumo das famílias. Áreas como construção civil e infra-estrutura são eminentemente empregadoras e exigirão a contratação de um número significativo de trabalhadores nos próximos cinco anos, diz Miguel. "Se os investimentos se mantêm fortes, podem realimentar o ciclo de expansão do consumo. A garantia de um mercado de trabalho sólido nos próximos anos continuará estimulando a demanda e o crescimento do PIB."

Desde 2004 até junho deste ano, o total de trabalhadores com carteira assinada cresceu 24%, chegando a 30,11 milhões de empregados, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados (Caged) compilados pela LCA Consultores. Nesse período, foram criadas 5,84 milhões de postos de trabalho formais, sendo 1,36 milhão de novas vagas no primeiro semestre deste ano. Levantamento do IBGE, que mede a variação do emprego formal e informal nas regiões metropolitanas, revela que, desde 2004, o percentual de empregados com carteira passou de 44,1% para 48,6% do total da população ocupada. Em resultado nominal significou um aumento de 38,7% no emprego formal, ou 3,6 milhões de novos postos, alcançando 12,9 milhões. No mesmo intervalo, o total de empregados (com e sem carteira) aumentou 11,6%, passando de 21,2 milhões de pessoas para 23,6 milhões.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, diz que o mercado de trabalho ainda forte e a expansão impressionante do crédito são fundamentais para explicar o bom momento da economia neste ano. Ele lembra ainda que a política monetária age com defasagem sobre a atividade econômica, devendo bater com mais força no fim do ano.