Título: Nova POF vai detectar perfil de consumidor emergente
Autor: Durão , Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2008, Brasil, p. A6

No início da década, grande parte das famílias brasileiras não tinha condições de ter acesso ao cartão de crédito nem de usar o crediário para comprar bens de maior valor, como automóveis e eletrodomésticos. Hoje, contrair dívidas e bancar um orçamento doméstico acima da renda familiar estão ao alcance de boa parte dos brasileiros. A mudança ocorrida nos últimos cinco anos foi induzida pela maior oferta de crédito, programa Bolsa Família e avanço do emprego com carteira assinada. A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008/2009 do IBGE, usada para atualizar a ponderação dos índices de inflação, vai detalhar o novo perfil desse consumidor emergente.

Márcia Quinstlr, diretora de pesquisa do instituto e coordenadora da POF, já prevê que a apuração da pesquisa de campo envolvendo 65 mil domicílios espalhados pelo país vai retratar um Brasil bem diferente do desenhado pela POF 2002/2003. "O aumento da renda do trabalho que as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio (PNADs) do próprio IBGE têm mostrado vai ajudar a consolidar os novos hábitos", observa. Ela aponta também o aumento real do salário mínimo como outro fator que está reforçando o poder aquisitivo das famílias, principalmente das mais pobres.

Nesse novo cenário macroeconômico, o IBGE decidiu acrescentar novas perguntas ao questionário da POF para apurar melhor os novos hábitos de consumo. A maior novidade do questionário, segundo Márcia, é mensurar o uso do cartão de crédito no país. "O que estamos fazendo agora de diferente, depois de investigar os gastos monetários com dinheiro e cheque em outras POFs, é buscar identificar o que é aquisição em cartão para perceber o grau de difusão dessa moeda de plástico no Brasil." Esse levantamento, segundo ela, é uma demanda dos bancos e de economistas que querem entender como está girando esse fluxo de recursos.

Também estão sendo pesquisadas as formas de aquisição de bens não monetários vigentes nas áreas rurais brasileiras. Elas incluem o autoconsumo (muito presente nas pequenas propriedades no campo), a troca e a doação. Esta última, dependendo da faixa de rendimento abordada, é muito usual entre os camponeses. A POF continuará investigando todo o segmento de rendimento, incluindo rendimentos do trabalho e das aplicações. Neste caso, será levantado o que é aplicado, em que é aplicado (tipo de aplicação) e o rendimento da aplicação.

Outra novidade que o IBGE resolveu inserir na POF se refere a questões atuais sobre meio ambiente. "Vamos aprofundar um pouco o tema. Ele diz respeito ao que ocorre fora do domicílio, porque é uma demanda forte da parte dos ambientalistas em geral e do interesse que o IBGE tem de concluir melhor uma matriz de meio ambiente, conjugada com informações de geografia e condições de vida das famílias".

O que será averiguado na área ambiental é informação sobre o entorno do domicílio. Saber se o local está exposto a poluição sonora, más condições de saneamento e se conta ou não com coleta e tratamento de lixo. Também vai ser medido o gasto das famílias com energia. A questão tem uma interface com o meio ambiente. "Vamos pesquisar as formas de energia usada nas residências, se são utilizadas formas alternativas de energia, como energia solar. Uma atenção especial será dada ao uso do chuveiro elétrico e da geladeira de duas portas, pois ambos consomem eletricidade de forma intensiva", revelou Márcia.

A POF 2008/2009 estará detalhando mais informações sobre nutrição, assunto ligado à saúde das famílias. Na POF 2002/2003 o IBGE constatou o fenômeno da obesidade do brasileiro, inclusive das camadas mais pobres, o que gerou grande polêmica. Na época, o questionário indagava apenas sobre a quantidade de alimento consumido no domicílio. Agora, vai ser levantado qualidade e tipo de alimentos consumidor pelas famílias. "Temos observado um aumento do gasto doméstico com produtos orgânicos e diferenciação entre light e diet. Agora, pretendemos traçar com mais precisão o perfil nutricional das pessoas, que é importante porque temos um mercado voltado para isso."

Márcia acredita que o procedimento da POF possa ajudar a avaliar melhor como anda a ingestão de calorias por classes de renda. O grau de qualidade da alimentação fora de casa também está sendo pesquisado. "Tínhamos um indicativo que o hábito de refeições fora de casa aumentou muito nos últimos cinco anos por causa do crescimento do emprego. Vamos investigar o que as pessoas estão comendo na rua. A idéia é esmiuçar esse novo hábito do brasileiro", diz Márcia.

Os primeiros resultados da POF de 2008/2009, orçada em R$ 23 milhões, dos quais 43% provenientes de convênios com o Banco Mundial e o Ministério da Saúde, só serão conhecidos no fim de 2009. Mas, desde abril, um exército de 600 entrevistadores e mais 150 coordenadores e supervisores técnicos já percorrem o país trabalhando na pesquisa. O foco da POF, como o nome da pesquisa indica, é captar as influências das políticas econômica e social dos últimos cinco anos sob o padrão de gastos das famílias.

Márcia não crê que a nova tendência de consumo das famílias brasileiras sofra alterações por desaquecimento econômico num mundo ameaçado por uma recessão desencadeado pelo problema do sub prime americano. O que está acontecendo no Brasil é uma mudança estrutural. Na sua visão, o avanço do consumo, que tem sustentado o PIB junto com o investimento, veio para ficar.