Título: Medidas para desestimular crédito tiveram pouco efeito
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Fonte: Valor Econômico, 18/08/2008, Opinião, p. A13

A proposta em estudo no governo, de tributar com uma alíquota de 3,38% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) as operações de leasing, pode não ser suficiente para esfriar a demanda por veículos no país, mas vem corrigir uma distorção provocada pelas medidas restritivas que o governo adotou em janeiro deste ano, quando elevou o mesmo imposto sobre as operações financeiras de 1,5% para 3,38%. Medida que foi tomada num pacote de urgência para suprir o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mais de caráter arrecadatório do que para regulação do mercado de crédito.

Ao encarecer as demais modalidades de financiamento ao consumo, o Ministério da Fazenda privilegiou um segmento do mercado, as empresas de leasing, que continuaram isentas do IOF. Na verdade, o leasing é considerado uma operação de arrendamento mercantil, razão pela qual não carrega a mesma tributação das operações financeiras. Mas ao se permitir esses contratos com pessoas físicas, ele acabou funcionando como alternativa ao crédito direto ao consumidor, sobretudo para a aquisição de automóveis.

A medida em estudo no Ministério da Fazenda, se aprovada, vai equiparar os contratos de leasing às demais operações financeiras, desestimulando esse canal por onde escoou a demanda por financiamento para aquisição de carros novos de janeiro para cá. Enquanto os financiamentos tradicionais para automóveis saíram de R$ 82,71 bilhões em janeiro para R$ 84,28 bilhões em junho, com aumento de apenas R$ 2,803 bilhões, segundo dados do Banco Central, os contratos de leasing passaram de R$ 31,14 bilhões para R$ 45,51 bilhões no mesmo período, com um acréscimo de R$ 15,377 bilhões. Aumento que chamou a atenção do ministro da Fazenda, Guido Mantega, levando a Receita Federal a analisar a incidência de IOF sobre tais operações.

Mesmo sendo tributados a uma alíquota de 3,38%, porém, os contratos de leasing ainda podem ficar mais baratos para o consumidor final se continuarem em vigor os benefícios fiscais dados, por exemplo, pela depreciação acelerada do automóvel.

A incidência de compulsório sobre as captações feitas pelos bancos por meio de suas empresas de "leasing", que começou a vigorar em maio, retirou até agora cerca de R$ 10 bilhões do sistema, reduzindo o volume dos recursos disponíveis aos bancos para concessão de crédito. Até fevereiro de 2009, o Banco Central deverá recolher mais R$ 30 bilhões de compulsório, enxugando um total de R$ 40 bilhões que poderiam se transformar em mais crédito na economia.

Mas o conjunto de medidas do governo, tomadas de janeiro para cá, para desacelerar o ritmo de crescimento da oferta de crédito, esfriar a demanda agregada e conter o impulso inflacionário, surtiu pouco efeito até agora.

O crédito, que o governo gostaria que aumentasse este ano não mais do que 24%, continua com crescimento vigoroso e deve superar em muito a proporção de 40% do PIB esperada pelo Banco Central para este exercício. Mesmo com a elevação da taxa básica de juros (Selic) e dos juros de mercado, o crescimento do crédito tem se mantido na faixa de 32% e, em junho, chegou ao equivalente a 36,5% do PIB, ante 34,7% do PIB em dezembro.

É saudável ter uma economia com crédito abundante e alocação eficiente de recursos. As medidas pontuais já adotadas e as que estão por vir, para encarecer o acesso ao crédito e frear o seu crescimento, deveriam, portanto, ser temporárias. Principalmente as que elevaram a tributação sobre operações financeiras, encarecendo ainda mais o custo do dinheiro.

É muito difícil para os governos abrir mão de receitas tributárias depois que se acostumam com elas e rapidamente criam as despesas equivalentes. O mais recente exemplo, a derrubada da CPMF, só ocorreu depois de inúmeras prorrogações e foi fruto de uma conjunção de problemas políticos do governo no Senado. Ainda assim, tratou-se logo de arranjar recursos adicionais para recompor parte da perda de arrecadação e há os que ainda sonham com a chance de se recriar a CPMF.

É importante que o governo não caia na tentação de perpetuar o IOF. Como imposto regulatório, ele é relevante. Como arrecadatório, torna-se uma anomalia.