Título: O último voo a 7,5%
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2011, Economia, p. B10

PIB teve, em 2010, o maior crescimento desde 1986. Com Dilma, avanço cairá à metade, pois a inflação e o crédito caro conterão o consumo Rio de Janeiro ¿ A despeito da maior dependência do capital externo para financiar o investimento produtivo e o consumo, a economia brasileira registrou no ano passado um salto recorde de 7,5% ¿ a melhor marca desde 1986, ano do fatídico Plano Cruzado. Pelas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o resultado ficou atrás apenas do desempenho da China (10,3%) e da Índia (8,6%), e bem acima da média mundial, de 5%. O Produto Interno Bruto (PIB) histórico mostrou que quase todas as feridas abertas pela crise internacional de 2008 e de 2009 foram curadas, mas indica também que performances como essa não se repetirão tão cedo.

A presidente Dilma Rousseff terá de lidar, neste seu primeiro ano de mandato, com juros em alta, crédito caro, inflação em alta (previsão de 6%), que corrói, sobretudo, o poder de compra dos mais pobres, e corte de R$ 50 bilhões nos gastos do governo. Não à toa, os especialistas projetam crescimento entre 3% e 4% para 2011 ¿ o governo fala em até 5% ¿, quadro que poderá se repetir em 2012, caso a disparada dos preços do petróleo faça estragos na atividade global. A ordem é conter o consumo das famílias, que, no ano passado, avançou 7% e movimentou R$ 2,2 trilhões. Na média, o PIB do governo Lula cresceu 4,01%, bem acima dos 2,29% da era Fernando Henrique Cardoso, mas distante da observada no regime militar (6,29%), quando houve o chamado milagre econômico.

Ainda que a base de comparação seja baixa ¿ em 2009, o PIB caiu 0,6%, solapado pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos ¿ os números do ano passado são superlativos sob qualquer perspectiva e, por essa razão, difíceis de serem batidos tão cedo. A demanda doméstica superaquecida empurrou para cima os resultados dos principais setores produtivos, algo nunca experimentado desde 1996, início da série reformulada pelo IBGE. A indústria acumulou alta de 10,1%, a agropecuária avançou 6,5% e os serviços, 5,4%.

Ao desdobrar esses três pilares é possível verificar dados ainda mais impressionantes na extração mineral ( 15,7%), na construção civil ( 11,6%), no comércio ( 10,7%), na intermediação financeira ( 10,7%) e na produção de soja ( 20,2%) e de trigo ( 20,1%). ¿Mais importante do que analisar os recordes, é perceber que houve consistência puxada pelo crescimento do emprego e da massa salarial¿, disse Roberto Olinto, coordenador de Contas Nacionais do IBGE.

Desequilíbrios Com carteira assinada, mais dinheiro no bolso e infinitas opções de financiamentos à disposição, os brasileiros lançaram-se às compras. O consumo das famílias, um dos mais importantes motores da economia, com peso de 60,6% no PIB, cresceu pelo 29º trimestre consecutivo. O consumo do governo acompanhou o movimento, com alta de 3,3% (R$ 778 bilhões), influenciado, principalmente, pelo clima eleitoral e pelos incentivos e isenções concedidos pelo Palácio do Planalto. Em valores correntes, o PIB alcançou R$ 3,675 trilhões, configurando um per capita de R$ 19.016 ( 6,5%).

André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, justificou que, apesar de esperado, o PIB de 2010 revelou movimentos da economia que precisam ser analisados com cuidado. Para ele, se quiser domar a inflação ¿ especialmente no contexto atual de alta do petróleo e das commodities agrícolas ¿, será fundamental dosar bem as intervenções no câmbio, nos juros e no crédito. ¿Não dá para imaginar que cresceremos e controlaremos a inflação ao mesmo tempo. O governo tem de conciliar muitas variáveis¿, completou.

Obrigada a lidar com gargalos que esbarram, entre outras coisas, na valorização exagerada do real e na falta de infraestrutura, o grande desafio de Dilma Rousseff ao longo de 2011 será sustentar pelo menos parte da expansão sem perder de vista a constante ameaça de descontrole dos preços. O equilíbrio entre a política monetária e a política fiscal é o que, no fim das contas, definirá para qual lado a balança penderá. Nesta semana, ao definir a nova taxa básica de juros em 11,75% ao ano, o Banco Central optou pela solução clássica.

Fatura No ano passado, o BC, sob o comando de Henrique Meirelles, acabou sendo acusado pelo mercado de ter contribuído ¿ ainda que indiretamente ¿ para o agravamento de cenários que, agora, se transformaram em problema. Motivos: ter hesitado em subir a taxa Selic e atuado de maneira ineficiente no câmbio. A fatura está exposta no desempenho do setor externo, que, mesmo sob controle, insiste em não deixar o radar dos especialistas. Razões para tanta atenção não faltam.

Em 2010, enquanto as exportações de bens e serviços subiram 11,5%, as importações galoparam 36,2% e a demanda interna saiu de uma retração de 0,8% em 2009 para um ganho de 10,3%. Destaque para as importações de máquinas e equipamentos, material eletrônico e equipamentos de comunicação, além de produtos ligados ao ramo automotivo, químico e de refino de petróleo. O apetite aguçado, que não está ligado só à produção, mas também ao consumo, elevou a necessidade de financiamento do país de R$ 56,9 bilhões em 2009 para R$ 97,7 bilhões em 2010.

O lado positivo desse fenômeno pôde ser traduzido no aumento das compras de bens que têm como função produzir outros bens. A taxa de investimento ¿ Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) ¿ subiu no quarto trimestre de 2010 na comparação com o terceiro trimestre do ano passado, chegando a 18,4% do PIB ao fim do período, o segundo mais elevado percentual desde 2000. A taxa de poupança bateu em 16,5% do PIB, patamar distante dos 18,8% apurados em 2008, mas acima dos 14,7% obtidos em 2009 ¿ a recomendação dos analistas é que, para crescer de forma sustentada, o país precisa atingir ao menos 25% do PIB de poupança bruta.