Título: Mais de 13 mil se inscrevem para cursos da Odebrecht
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2008, Especial, p. A12
Maria Francisca, 47, vendedora ambulante e aluna do curso da Odebrecht: "Quero ter carteira assinada de novo" Dá para contar 160 bicicletas no estacionamento. Todas são simples e bem gastas. Como a cidade é plana, muitos alunos economizam a passagem de ônibus. Em um complexo dotado de pequenos canteiros que simulam obras de verdade nos pátios, com salas de aula climatizadas e fartas em equipamentos de informática, a Odebrecht decidiu investir R$ 12 milhões para capacitar a mão-de-obra de Porto Velho e com isso atenuar a chegada de migrantes à procura do novo Eldorado na Amazônia: a criação de 10 mil empregos, durante o pico das obras da usina de Santo Antônio - provavelmente 2010.
Falta todo tipo de profissional em Rondônia e a Odebrecht estimava a necessidade de usar até 70% de trabalhadores "importados" na construção da usina. Para reverter esse cenário e seus efeitos sobre o crescimento desordenado da cidade, a construtora fez parceria com o Senai e espera formar 9 mil pessoas ao longo de três anos. Já houve mais de 13 mil inscrições desde janeiro. Não é exagero a estimativa de que isso abrange ao menos 10% da população economicamente ativa de Porto Velho.
"Não exigimos certificado nem diploma. Se o trabalhador tem 1ª ou 4ª série, não interessa. Só não pode ser um analfabeto funcional. Nós damos o primeiro peixe, mas não o segundo. Aí ensinamos a pescar", diz Antônio Cardilli, gerente da Odebrecht na cidade.
Os cursos começaram em abril. Abrangem especialidades mais simples (pedreiro, soldador, carpinteiro, armador) até áreas de nível técnico elevado (mecânicos de equipamentos pesados, eletricistas de máquinas em corrente alternada e operador de escavadeira, carregadeira ou caminhão basculante). Quem passa pelo módulo básico, que dura 32 horas, avança para o técnico, com duração de até 50 dias.
Ninguém sai com emprego garantido, mas a intenção da Odebrecht é dar preferência aos ex-alunos no momento da contratação. Nada impede, por exemplo, que a Suez acabe levando esses profissionais. Mas a própria multinacional franco-belga também deverá iniciar em setembro seus cursos de qualificação, com foco no interior de Rondônia. No pico das obras de Jirau, serão até 11 mil trabalhadores, afirma Victor Paranhos, presidente do consórcio liderado pela Suez. Essa disputa por mão-de-obra certamente terá efeitos na renda. "Os salários devem subir", diz Paranhos.
Os resultados iniciais do programa idealizado pela Odebrecht surpreenderam a construtora. "O índice de freqüência é de 99%", destaca Cardilli, assegurando que nem os horários pouco flexíveis prejudicaram a presença. As aulas só ocorrem de manhã e à tarde. "Quisemos evitar os dias de semana à noite, bem como sábados e domingos. É quando pode sobrar tempo para um curso, mas os trabalhadores já estão tão cansados que não têm bom rendimento", explica o gerente. "Não quero sala de aula cheia, quero gente qualificada."
De todos os números, um é especialmente comemorado por Cardilli: a inscrição de 2,5 mil mulheres, mesmo tratando-se de ocupações vistas como masculinas. Foram poucas no começo, mas a procura aumentou à medida que as pioneiras foram sendo chamadas. Uma das primeiras a matricular-se foi a vendedora ambulante Maria Francisca de Souza. Aos 47 anos, há dez ela não tem carteira assinada e resolveu matricular-se com o marido no curso de soldador. Juntos, ganham até R$ 2 mil por mês com a venda de comida - "você precisa provar meu bolinho de peixe" - e sustentam uma casa na periferia com cinco pessoas.
Francisca acha que sua renda pode até diminuir um pouco. "Mas quero ter carteira assinada de novo, sem chegar aos 60 anos como ambulante, trabalhando de domingo a domingo." A história familiar dela traduz o desenvolvimento de Porto Velho. A mãe era seringueira, o pai trabalhou na construção da BR-364, que liga a cidade a Cuiabá e a Rio Branco. "Gosto do projeto das usinas e estou vendo o progresso chegar. Quero participar desse momento. Meu sonho é, daqui a dez anos, olhar as hidrelétricas prontas e poder dizer que dei a minha colaboração." (DR)