Título: Investimentos vão diminuir
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2011, Economia, p. 12

Aplicações do setor produtivo bateram recorde em 2010. Mas empresas tendem a botar o pé no freio, devido aos juros e aos importados

Ainda que o volume de recursos empregados na ampliação da capacidade produtiva nacional tenha batido recorde em 2010 e subido 21,8%, a taxa de investimentos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) encerrou o ano aquém do necessário para manter o crescimento sustentado da economia. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a relação entre a formação bruta de capital fixo (FBCF) e o PIB recuou de 19,4% no terceiro trimestre para 18,4% no fim de 2010. O indicador é inferior aos 25% considerados pela equipe econômica como o mínimo para manter um desempenho saudável (alta entre 4,5% e 5% ao ano), sem gerar inflação.

Com o consumo das famílias, os investimentos fizeram a diferença no PIB, quando se observa os fatores ligados à demanda. Mas, para 2011, os gastos do setor produtivo devem ser mais contidos tanto por causa dos juros em alta quanto pela forte competição dos produtos importados, favorecidos pelo dólar barato. Para Daniel Miraglia, professor de Finanças da Business School São Paulo (BSP), a redução dos investimentos ficará mais clara à medida que o Banco Central continue aumentando a taxa básica de juros (Selic). ¿A intenção da autoridade monetária é reduzir as pressões inflacionárias, mas o efeito no investimento também será sentido¿, afirmou.

Base favorável Na avaliação de Miraglia, a formação bruta de capital fixo só alcançou o resultado recorde devido à combinação de uma base de comparação mais baixa (2009), por conta dos efeitos da crise, com medidas específicas do governo para ampliar o investimento, como os aportes feitos no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). ¿Esses fatores foram primordiais e a prova disso é que a maior parte do avanço na ampliação de capacidade produtiva ocorreu no primeiro semestre¿, ponderou. Além disso, a taxa de poupança do país também é baixa. Ficou em apenas 16,5% do PIB, inferior aos 18,8% de 2008, e muito distante dos 40% da China.

Segundo o coordenador de Contas Nacionais do IBGE, Roberto Olinto, entre os itens que compõem a formação de capital fixo, a maior participação (55,2%) foi de máquinas e equipamentos, que cresceram 30,5% na comparação com o ano passado. Em seguida, ficou a construção civil, com influência de 12,9%.

Para o gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria, Flávio Castelo Branco, a ampliação do parque produtivo deve continuar em 2011 como um dos propulsores da geração de riquezas no país, mas em ritmo menor. ¿Os empresários continuarão a fazer investimentos, mas não com 20% de aumento¿, assegurou. A seu ver, para manter a disposição dos empresários é necessário que o governo garanta estímulos, como a redução da taxa Selic e a melhora das condições de crédito.

Carga tributária chega a 35,13% » A carga tributária total do Brasil em 2010 somou o equivalente a 35,13% do Produto Interno Bruto, segundo cálculo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). O indicador ficou 0,72 ponto percentual acima dos 34,41% aferidos pelo estudo em 2009. De acordo com o levantamento, cada brasileiro pagou em média R$ 6.722,38 em tributos no ano passado, montante superior aos R$ 5.723,42 registrados em 2009. O cálculo leva em consideração os números do Produto Interno Bruto (PIB) e da arrecadação de impostos da União, estados e municípios. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o volume de impostos incidente sobre produtos avançou 12,5%, totalizando R$ 539,3 bilhões em 2010.

Dependência externa » Luciano Pires Sem poupança interna suficiente para bancar o seu crescimento, em 2010, a necessidade de financiamento da economia brasileira quase dobrou. Resultado de compras e importações voltadas ao consumo e à produção, houve um aumento de R$ 56,9 bilhões registrados em 2009 para R$ 97,7 bilhões apurados no ano passado. Nem o mercado nem o governo esperavam tanto.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendência Consultoria, disse que, apesar da elevação bilionária de um ano para o outro, nada indica que o país perderá as rédeas do fluxo de capitais estrangeiros. ¿O crescimento das importações em 2011 será bem mais modesto do que foi no período anterior¿, justificou.

No mercado, porém, as opiniões divergem um pouco. Parte dos analistas acredita que a evolução dessa conta, que mostra certa dependência do Brasil em relação ao investidor internacional, deve sempre ser levada em consideração. Em especial porque as previsões do ano passado passaram longe do alvo. E mais: todas as vezes que o Brasil entrou em crise, o origem veio do rombo das contas externas, que, em 2010, encostou nos US4 50 bilhões, o maior desde 1947, quando o Banco Central passou a fazer esse tipo de levantamento.

O desajuste foi agravado pela forte valorização do real frente ao dólar, que não só estimulou o avanço das compras externas em ritmo muito mais elevado do que o das vendas, como inflou as captações de recursos pelas empresas e bancos, dinheiro que sustentou o crédito ao consumo e os investimentos produtivos. Para 2011, os analistas prevêem que a necessidade de financiamento do país ficará em 0,5% do PIB.

BNDES recebe mais R$ 55 bi » O Tesouro Nacional repassará mais R$ 55 bilhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que permitirá à instituição prorrogar até o fim deste ano o programa de financiamento do investimentos do setor produtivo a taxas de juros subsidiadas. O anúncio foi feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, dias depois de o governo ter detalhado o corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União com o objetivo de desacelerar o ritmo de crescimento da economia e conter a inflação. ¿O BNDES não pressiona a inflação. Pelo contrário, investimentos aliviam inflação à medida que significa maior oferta de produtos, produtividade, redução de custos na economia¿, afirmou.

Motor da indústria esfria

O resultado das contas nacionais trimestrais divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmou a indústria como um dos principais motores do crescimento de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010. O avanço de 10,1%, no entanto, escondeu a brusca desaceleração enfrentada pelo segmento a partir dos últimos três meses do ano passado. Apesar do resultado positivo na comparação com 2009, o setor teve queda de 0,3% do terceiro para o quarto trimestre.

Segundo o gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, os números do IBGE deixaram claro o descompasso entre a oferta e a demanda, uma vez que o consumo das famílias avançou 2,5% no último trimestre (comparado com o terceiro), enquanto a indústria recuou. Para ele, a queda ocorreu por conta do câmbio, que mantém o real forte, prejudicando as exportações e favorecendo os importados. ¿Ficou evidente que a produção não acompanhou a procura. Isso fica claro com importações crescentes ao ritmo de 40% no ano enquanto a indústria avançou 10%. É sinal de que algo está errado¿, afirmou.

A concorrência externa deve aumentar o risco para parte da indústria. ¿Não estamos desindustrializando todo o país, mas perdendo determinados setores que brigam diretamente com os estrangeiros¿, ponderou Castelo Branco. O segmento que mais puxou o PIB industrial foi o extrativo mineral, com avanço no ano passado 15,7%, seguido pela construção civil (11,6%). A indústria de transformação (manufatura) avançou 9,7%, enquanto a atividade de eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana cresceu 7,8%. (GC)

Construção desacelera Além de garantir boa parte do crescimento recorde de 21,8% dos investimento no ano passado, a construção civil foi um dos setores da indústria que mais aumentaram a produção em 2010, segundo os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A expansão de 11,6% perdeu somente para a indústria extrativa (que avançou 15,7%), mas não deve assegurar uma trajetória semelhante em 2011, conforme estimativas do próprio setor.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, destacou que, apesar do bom desempenho no ano passado, a atividade no setor deve se estabilizar em um patamar mais baixo, a partir do primeiro trimestre deste ano. ¿O ano se 2011 será menos aquecido, até porque estamos enfrentando problemas como a falta de mão de obra. E, claro, a própria dinâmica do setor dará uma freada¿, comentou.

Para Safady, a preocupação que o governo têm demonstrado com o crescimento do consumo das famílias e, consequentemente com as pressões inflacionárias, deve impor uma retração ao setor da construção. ¿Há diversos movimentos que vão comprometer os financiamentos de moradias e até mesmo os pequenos serviços e reparos, mas acredito que crescer menos, sobre uma base mais forte, como 2010 será tão importante quanto ter uma taxa acima de 10% na comparação com um ano de crise¿, ponderou. Segundo o IBGE, o crescimento de 11,6% no ano passado em relação a 2009 foi influenciado pelo aumento de 31,1% do crédito habitacional, além do incremento da renda dos trabalhadores.

A própria construção civil empregou mais trabalhadores, levando à escassez de mão de obra mencionada por Simão. ¿O problema só não está aumentando, porque a procura por profissionais se estabilizou. A nossa capacidade de formar trabalhadores qualificados ainda é menor do que o necessário¿, avaliou. (GC)

Paraíso dos estrangeiros » Gustavo Henrique Braga

O crescimento de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2010 soou como música aos ouvidos dos investidores estrangeiros. Se, nos Estados Unidos e na Europa, o mercado segue saturado e em marcha lenta, no Brasil há muito espaço para crescer. A norte-americana Pitney Bowes, especializada em serviços para a comunicação entre empresa e cliente, beneficiou-se do bom momento econômico para incrementar seus resultados. Só no ano passado, a companhia registrou, no Brasil, lucros 46% superiores aos de 2009. Para este ano, a previsão é de crescer mais 42%, o que significa que a empresa praticamente dobrará de tamanho em solo nacional em apenas dois anos.

¿Se você observar sob o ponto de vista dos mercados que mais crescem no mundo, as melhores oportunidades estão na Ásia e na América Latina. Quando você olha para os países emergentes, o Brasil é um dos mais importantes no mundo, se não o mais importante¿, disse Leslie Abi-Karam, vice-presidente executiva da Piney Bowes. A expectativa da empresa é de que, até o fim do ano, o Brasil subirá da sexta para a terceira maior praça de atuação, em termos do tamanho da companhia, entre os países da Ásia e América Latina, e será o primeiro colocado entre os emergentes.