Título: Empresa do Brasil já investe mais nos latinos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2008, Brasil, p. A6

Luis Afonso Lima, presidente da Sobeet, acredita que cada vez mais empresas brasileiras vão investir na região Após ganhar participação no conjunto das exportações brasileiras, os países da América Latina começam a receber, também, um maior volume do investimento produtivo de empresas brasileiras no exterior. Seja na construção de fábricas, seja pela aquisição de companhias locais ou pela fusão com parceiros, a região foi destino de 10,4% do investimento direto brasileiro no primeiro semestre deste ano, ou US$ 733 milhões. Desde a década de 40 até 2006, o Brasil formou um estoque de investimento direto no exterior de US$ 90 bilhões, dos quais 7 bilhões foram aplicados na América Latina, o que representa 7% do total. E a perspectiva é de que esse montante cresça significativamente nos próximos anos. Somente para o período de 2008 a 2012 já foram anunciados aportes que superam US$ 10 bilhões.

Nos últimos anos, a participação da América Latina como destino dos investimentos brasileiros tem aumentado, havendo alcançado 15,7% no ano passado. No primeiro semestre deste ano, o índice foi menor, mas a perspectiva é de que a participação no ano cresça com os investimentos anunciados a partir do mês de julho. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Luís Afonso Lima, os resultados do primeiro semestre não refletem exatamente a realidade. "Por uma burocracia a empresa posterga o investimento de um mês para outro. Mas a tendência de médio e longo prazos é de aumento de participação na América Latina", afirma. No período, os aportes na América Latina (de US$ 733 milhões) tiveram queda de 39,8% sobre igual intervalo de 2007, quando somaram US$ 1,217 bilhão.

O resultado de 2008 não inclui cifras anunciadas recentemente, como os US$ 200 milhões que a Camargo Corrêa investirá para construir uma fábrica na Argentina. E há investimentos anunciados, e não realizados em sua totalidade, que confirmam a atratividade dos países latinoamericanos, como os US$ 2,4 bilhões que a Petrobras pretende investir na Argentina até 2012 e a assinatura, em maio, do memorando entre Petrobras, Braskem e a estatal Petroperu para investir US$ 3 bilhões em um pólo petroquímico no Peru. Para esse país, os grupos Petrobras, Odebrecht, Vale, Praxair, Braskem, Votorantim, Intersur e Natura anunciaram aportes para o período de 2008 a 2013 que totalizam US$ 7,61 bilhões.

"Existe uma tendência de expansão dos investimentos entre países emergentes. O investimento intra-regional é mais evidente na Ásia e começa a ganhar corpo na América Latina", afirma Lima. A Sobeet não faz projeções por região, mas estima um salto do investimento brasileiro direto no exterior neste ano, de US$ 7,067 bilhões para US$ 17,5 bilhões.

De acordo com a Sobeet, o potencial de expansão dos mercados vizinhos é um dos fatores que estimula o incremento dos investimentos brasileiros no exterior. Facilidades logísticas, favorecimento por acordos de comércio bilateral e diferenças de câmbio também fazem parte do pacote de benefícios avaliados por empresários brasileiros ao investir em capital produtivo no exterior. "É importante observar que o aumento dos investimentos no exterior é conseqüência não apenas das apostas de grandes grupos, como Petrobras e Vale, mas também de empresas de médio porte, que enxergaram nichos nos países latinoamericanos", salienta Lima.

Ele cita o caso da fabricante de softwares Datasul, que ainda espera a aprovação dos acionistas para a sua fusão com a Totvs e tem planos para abrir 15 lojas no continente. "Existe na América Latina uma demanda por softwares de menor porte que não é atendida por gigantes multinacionais e as empresas brasileiras ocuparam esses nichos", diz Lima. De acordo com a Sobeet, os investimentos do Brasil no exterior são realizados por aproximadamente 900 empresas, número que tende a crescer de forma exponencial no futuro.

No caso das "gigantes" brasileiras, os investimentos têm como um dos principais objetivos incrementar a produção para atender ao mercado brasileiro ou ganhar robustez para competir no mercado global com outros conglomerados. É o caso, cita, dos investimentos na área de gás, energia, petróleo, siderurgia e mineração.

"A América Latina ganha importância principalmente para empresas focadas em commodities. Mas pela relevância que têm na economia global, países tradicionais como Estados Unidos ainda devem liderar os investimentos por um bom tempo", avalia José Paulo Rocha, sócio de finanças corporativas da Deloitte.

De acordo com o economista, o foco das operações na América Latina tem sido pequenas e médias empresas, parte delas de capital fechado, o que torna o preço de aquisição mais atraente. O real valorizado em relação às moedas dos países vizinhos também contribui para tornar os preços dessas empresas mais atrativos que de empresas brasileiras, avalia. "Acredito que no médio e longo prazos os investimentos nesses países vão se intensificar e representar uma parcela mais significativa da participação brasileira no exterior."

Ele observa que fatores políticos ainda influenciam de forma negativa a decisão de investimento na região. Ele cita o caso da Argentina, principal destino dos aportes brasileiros na América do Sul, com um total de US$ 241 milhões no período de janeiro a junho deste ano - 33,1% mais que o registrado no primeiro semestre do ano passado. O segundo país latino-americano que mais recebeu recursos brasileiros neste ano foi o Chile, totalizando US$ 199 milhões, seguido por Colômbia (US$ 166 milhões), Uruguai (US$ 82 milhões), México e Peru (US$ 16 milhões em cada um), Panamá (US$ 10 milhões) e Bolívia (US$ 3 milhões).

De acordo com dados do Banco Central, de janeiro a junho as empresas brasileiras elevaram os investimentos diretos em empresas no exterior em 39,6% em comparação com igual intervalo de 2007, totalizando US$ 7,046 bilhões. Esses valores referem-s aos investimentos diretos não financeiros acima de US$ 1 milhão e não inclui investimentos em bens e imóveis. A soma também não leva em consideração aportes em paraísos fiscais.

Os Estados Unidos continuaram como principal destino dos aportes brasileiros, totalizando US$ 2,118 bilhões, ante US$ 676 milhões em igual intervalo do ano passado. Entre as operações de maior porte no país estão a aquisição de três frigoríficos nos EUA pelo grupo JBS-Friboi em março, no valor de US$ 1,8 bilhão, a aquisição de empresas do grupo OSI pelo Marfrig por US$ 680 milhões e aquisição da Century Steel pelo grupo Gerdau por US$ 152 milhões, de acordo com levantamento de fusões e aquisições da KPMG.

De acordo com André Castello Branco, responsável pela pesquisa de fusões e aquisições da KPMG, no primeiro semestre deste ano as empresas brasileiras realizaram 47 transações de fusão e aquisição no mercado externo, sendo 15 na América Latina. No ano todo de 2007 foram realizadas 66 transações, sendo 41 na América Latina.

Ele observa que a maior parte das transações é feita por empresas de uso intensivo de capital, que muitas vezes optam pelos países latinoamericanos devido ao custo menor do trabalho e do investimento. "Muitas vezes as empresas aproveitam as vantagens desses mercados para torná-los plataforma de exportação", afirma. Castelo Branco também aponta um incremento da participação no exterior de empresas de porte médio, que se capitalizaram nos últimos anos, seja por financiamento ou pela entrada no mercado de ações.

Para Castelo Branco, o segundo semestre tende a ser mais crítico para investimentos. "Ainda existe muita incerteza no cenário macroeconômico mundial e não se sabe até que ponto o cenário afetará as decisões de investimento", afirma. Ele observou que no primeiro semestre foram realizadas por empresas brasileiras 327 transações no exterior. Se o número for repetido, totalizará no ano 654 transações, menos que as 699 realizadas no ano passado.

Álvaro Calderón, economista da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) das Nações Unidas, acredita que os grandes grupos brasileiros ainda tenderão a privilegiar investimentos em mercados já consolidados, como Estados Unidos e países da Europa, principalmente nesse período de instabilidade econômica no mercado internacional. Em sua avaliação, a escolha por países vizinhos está mais ligada a decisões particulares das empresas do que a um cenário menos favorável para as economias desenvolvidas. "Foram feitos investimentos importantes na América Latina, mas sempre por grupos que aproveitaram oportunidades particulares para fazer aquisições e expandir a participação nesses mercados."

Ainda assim, o Brasil é de longe o país sul-americano que mais investe no continente. Em 2006, já respondia por 77,9% do fluxo do total de investimentos diretos realizados na América do Sul, que no período totalizou US$ 36,192 bilhões. Entre as operações realizadas em países da América do Sul na década, destacaram-se a aquisição da argentina Quilmes Industrial pela belga-brasileira Ambev (por US$ 1,25 bilhão) e a aquisição das operações do BankBoston no Chile e no Uruguai pelo Itaú, por US$ 650 milhões. Ainda conforme a Cepal, em 2007, o Brasil respondeu por 35% dos investimentos estrangeiros recebidos pelo Chile e 47% dos investimentos estrangeiros na Colômbia.