Título: Sob o domínio do medo
Autor: Camba , Daniele
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2008, EU & Investimentos, p. D1

O Ibovespa chegou ao fundo do poço e já começam a surgir oportunidades na bolsa. Mas novos tempos gloriosos nos mercados acionários, no Brasil e no mundo, ainda estão fora do raio de visão. Nesse meio do caminho, entre o pior, que parece que já passou, e o melhor, ainda um pouco distante, o mercado tende a ficar estagnado, na dependência dos desdobramentos do cenário internacional. Puxando a corda para baixo, a crise de crédito americana, mais drástica do que se previa, bateu forte na economia global e no ciclo de alta das commodities. Na ponta positiva estão os preços das ações, que já caíram demais, além da crença que a desaceleração mundial, apesar de um fato, não será gigantesca.

Contam a favor da Bovespa os fundamentos econômicos brasileiros ainda preservados, que em algum momento voltarão a ser o principal fator a ser considerado pelos investidores. "Em meio ao medo com relação ao que irá ocorrer com as economias americana e global, os fundamentos foram para o ralo e o que predomina agora é uma total irracionalidade de vender o quanto antes sem saber o porquê", diz o diretor de renda variável do Banco Itaú, Walter Mendes.

Como o Brasil se mostra bem em termos de fundamentos, vale a pena continuar em bolsa para não perder o momento da recuperação das ações. Mendes lembra também que a Bovespa está barata se comparada a outros mercados. O índice de preço/lucro (P/L, que dá uma idéia do prazo de retorno do investimento) do Ibovespa está em 8 vezes, enquanto os demais emergentes têm uma média de 10 vezes e as bolsas de países desenvolvidos, de 14 vezes. "O investidor vai se dar conta disso na hora que voltar à racionalidade", diz.

As perdas recentes ficam insignificantes quando comparadas com o movimento de alta que já dura cinco anos. Desde 2003, o Ibovespa acumula valorização de 376,02%, enquanto que, desde a máxima histórica do índice, em 20 de maio, a queda é de 26,96%.

Mendes já esperava que, no primeiro semestre, o mercado fosse ruim por conta das perdas dos bancos americanos com as hipotecas de alto risco ("subprime"). Mas acreditava numa recuperação dos ativos a partir da segunda metade do ano, imaginando que as intervenções do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e do Tesouro dos EUA seriam suficientes para salvar os bancos e trazer de volta a confiança dos investidores. O que deu errado?

As perdas das instituições financeiras com a crise hipotecária se mostraram muito maiores do que previa até o próprio Fed. "As atuações serviram para minimizar os problemas, mas não para solucioná-los, o que agravou a desaceleração americana e, por tabela, a mundial", diz Mendes.

A Bovespa sofreu em dose tripla nessa nova fase da crise. Como o mercado brasileiro foi um dos que mais subiram nos últimos anos, também foi um dos primeiros que os investidores venderam para cobrir as perdas nos países desenvolvidos. No ano, até dia 14, o saldo líquido (compras menos vendas) de estrangeiros na bolsa brasileira está negativo em R$ 16,079 bilhões, o maior da história.

Apesar de toda a correção, as commodities ainda estão acima das cotações do fim do ano passado. O tombo, que fez estremecer a bolsa brasileira, altamente dependente das matérias-primas, é pequeno tendo em vista que o mundo conviveu com quase cinco anos de alta, diz o diretor de análise da Mercatto Gestão de Recursos, Paulo da Veiga Monteiro. "Para que a inflação global desapareça do mapa, os preços têm de cair mais e o crescimento chinês baixar de um ritmo de 11% para menos de 8%", afirma.

A questão é que, em pleno processo de desaceleração global, deflagrado pelo estouro da bolha imobiliária americana - que arrastou a Europa e encontrou um Japão enfraquecido -, os bancos centrais abriram mão da austeridade monetária. Como o problema inflacionário "era do vizinho", eles deixaram que o freio cumprisse o papel de reduzir as pressões. Só que tal ajuste não se dá do dia para a noite, diz Monteiro. "O mundo percebeu que a China não vai continuar crescendo sozinha e que não existe descolamento, é só um lapso de tempo para (o menor ritmo de atividade nos EUA) atingir economias mais dinâmicas."

Para Monteiro, o fortalecimento do dólar em relação a outras moedas, incluindo o real, pode desencadear a transição para uma bolsa menos concentrada em commodities, passando talvez a privilegiar um setor que ficou em segundo plano, como o manufatureiro. Mesmo com o ciclo recente de alta de juros, papéis voltados para o mercado interno ainda serão uma boa pedida, levando-se em conta que o país tem sacrificado apenas uma parte do crescimento com o aperto. Até em commodities o especialista vê oportunidades. Vale PNA, por exemplo, caiu demais se comparada às concorrentes.

Não foi só a cena global que afastou a bolsa brasileira de qualquer ensaio de recuperação. Também houve a sinalização de que haverá mudanças de regras brasileiras nos setores de petróleo e mineração, diz o professor do IBMEC-SP, Marco Antônio Leonel Caetano. Para ele, a discussão da exploração na área do pré-sal e a intenção do governo de elevar a tributação da indústria de minério derrubaram as cotações de Petrobras e Vale, carro-chefes da Bovespa. "As regras vão ser mudadas no meio do caminho e investidor nenhum, local ou estrangeiro, gosta de conviver com esse tipo de incerteza."

Por ser concentrada em commodities, a Bovespa perdeu mais do que outros mercados com o recente movimento. Só as ações da Petrobras e da Vale representam cerca de 30% do Ibovespa e perderam 36,84% e 39,53%, respectivamente, do pico de maio para cá. A cereja desse bolo de gosto azedo foi a idéia do governo de colocar em uma nova estatal parte das reservas de petróleo localizadas no pré-sal.