Título: Saldo comercial está mais sensível ao dólar
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2008, Brasil, p. A3

Com o forte aumento de exportações e importações ocorrido desde 2002, mudanças mais suaves na taxa de câmbio tendem a produzir impactos mais significativos sobre o resultado da balança comercial. Nesse cenário, uma eventual piora nas condições de financiamento externo não deve requerer uma desvalorização acentuada do real para que haja uma correção razoável do saldo da balança, dizem alguns analistas. Nos 12 meses até julho, a corrente de comércio (exportações e importações) totalizou US$ 338,1 bilhões, 214% a mais que os US$ 107,6 bilhões de 2002.

O economista Daniel Ribeiro, da Credit Suisse Hedging Griffo, estima que, com um dólar médio de R$ 1,60 no ano que vem, o superávit comercial de 2009 deve ficar em US$ 7,7 bilhões, bem abaixo dos US$ 21 bilhões projetados por ele para este ano. Se o dólar ficar em R$ 1,70, o superávit já aumenta para US$ 16,4 bilhões e, se a moeda americana atingir R$ 1,80, o saldo seria de US$ 24,4 bilhões. Os cálculos consideram que os preços médios de exportações e importações do ano que vem ficarão em níveis próximos às cotações médias vigentes em 2008. Ribeiro trabalha ainda com um crescimento de 1% na produção industrial global e de 3,4% para a economia brasileira, importantes para estimar as vendas e as compras externas.

Para Ribeiro, as simulações indicam que a taxa de câmbio não terá que se depreciar muito se houver uma redução significativa no fluxo de capitais para o Brasil. Ele lembra, porém, que uma queda forte adicional dos preços de commodities, os principais produtos exportados pelo Brasil, mudaria o quadro sugerido nas simulações.

Nos últimos meses, o encolhimento do saldo comercial e o aumento das remessas de lucros e dividendos levaram a uma forte deterioração das contas externas. No acumulado em 12 meses, as transações correntes saíram de um superávit de US$ 1,7 bilhão em dezembro de 2007 para um déficit de US$ 18,1 bilhões em junho, trajetória que reacendeu os temores de uma desvalorização abrupta do câmbio, caso haja uma piora significativa nas condições de financiamento externo.

Ribeiro acredita que a era de valorização do câmbio chegou ao fim, num cenário marcado pelo déficit em transações correntes e por fluxos de capitais um pouco menores para o país. "Descontados os excessos de mercado, parece que vale ter em mente um câmbio entre R$ 1,70 e R$ 1,80, talvez mais para R$ 1,80, para o fim do ano", diz relatório da Credit Suisse Hedging Griffo. Nas últimos dias, a valorização da moeda americana em relação a outras divisas levou a algum enfraquecimento do real, que passou a operar acima de R$ 1,60. Os economistas ouvidos pelo Banco Central (BC), porém, ainda trabalham com um dólar de R$ 1,61 em dezembro.

O economista-sênior do Unibanco, Darwin Dib, não mostra grande preocupação com a situação das contas externas do país. Como Ribeiro, ele também considera que o aumento da corrente de comércio diminui a necessidade de desvalorizações abruptas do real se for preciso ajustar o saldo da balança comercial. Além disso, Dib ressalta que o Brasil tem hoje um regime de câmbio flutuante e uma situação muito mais sólida do ponto de vista das contas externas. Com US$ 200 bilhões em reservas internacionais, o país é hoje um credor externo líquido, nota ele. Desse modo, a disposição do mundo em financiar o déficit brasileiro em transações correntes tende a ser bem maior do que era no fim dos anos 90 e no começo dos anos 2000. Há um rombo crescente nessa conta, mas até há algumas semanas o câmbio continuava se valorizar, lembra Dib. As transações correntes têm piorado, mas a conta de capitais continua robusta, principalmente por causa da forte entrada de investimentos estrangeiros diretos (IED, voltados para o setor produtivo). O elevado diferencial entre os juros externos e internos também atrai recursos externos.

Dib acredita num dólar em R$ 1,60 no fim deste ano e de R$ 1,70 no fim do ano que vem. Segundo ele, o saldo comercial deve atingir US$ 23 bilhões em 2008 e US$ 17 bilhões em 2009. Dib estima que os preços de exportação no ano que vem vão recuar 4,9% em relação ao nível médio deste ano.

O economista Rogério Mori, da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem uma visão menos positiva sobre as contas externas do que Ribeiro e Dib. Ele diz que a deterioração da conta corrente não deve provocar grandes problemas no curto prazo, mas vê com mais preocupação o quadro a partir de 2009. Se os preços de commodities recuarem com mais força, o resultado da balança comercial pioraria ainda mais, tornando o país mais dependente da conta de capitais (onde está o IED e as aplicações em bolsa e renda fixa). "Com isso, aumentaria o risco de o país enfrentar um estrangulamento de fluxo de capitais mais adiante. A possibilidade de uma reversão súbita da taxa de câmbio entraria no horizonte", afirma Mori. Ele vê com reservas a idéia de que o aumento da corrente de comércio exige desvalorizações mais suaves da taxa de câmbio para provocar ajustes na balança comercial. "Isso depende de vários outros fatores, como os preços de commodities, o crescimento da economia global e da economia brasileira", diz Mori.