Título: Modelo de pré-sal terá debate amplo, diz Lula
Autor: Lyra, Paulo de Tarso ; Galvão,Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2008, Brasil, p. A4

Jarbas Oliveira / Folha Imagem Presidente Lula, no porto de Pecém: "Eu tenho dois anos e quatro meses de mandato e a Petrobras e o petróleo, se Deus quiser, terão muitos anos de existência" O governo ainda não bateu o martelo sobre a criação de uma nova estatal para administrar as reservas de petróleo da camada pré-sal. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a comissão interministerial criada para tratar do assunto ainda está discutindo o tema e que as propostas chegarão às suas mãos no dia 19 de setembro, quando se encerra o prazo de funcionamento da comissão. "A partir daí, pretendemos fazer um debate com a Petrobras, com os trabalhadores, com o Congresso Nacional, com os empresários, para saber que destino a gente vai dar a essa extraordinária performance do petróleo no Brasil", disse o presidente após a inauguração do terminal de regaseificação do Porto de Pecém, no Ceará.

Segundo Lula, é importante que a sociedade participe desse debate. "Afinal de contas, eu tenho dois anos e quatro meses de mandato e a Petrobras e o petróleo, se Deus quiser, terão muitos e muitos anos de existência", disse ele. Lula reiterou que, enquanto o petróleo estiver embaixo da terra, ele é da União. Defendeu que "esse potencial extraordinário do petróleo" deve ser usado para resolver os problemas crônicos do país, como, citou ele, a pobreza e a "falta de investimentos em educação".

Em conversas reservadas, o presidente diz que o país vive "um novo ciclo do ouro", numa referência à proliferação das jazidas de extração na década de 80. Por isso, defende que as decisões sobre o assunto sejam tomadas com cautela. O teor do relatório da comissão interministerial deverá definir o ritmo de decisões do presidente. "Se a conclusão for concreta, as coisas ficam mais fáceis. Mas se ela tiver algumas ambigüidades, o presidente poderá demorar um pouco mais para se decidir", disse ontem um assessor direto de Lula.

A tendência é que o prazo de funcionamento da comissão seja estendido e uma decisão só venha a ser tomada no fim do ano, depois das eleições municipais. Além da criação de uma estatal para cuidar do pré-sal, idéia que começou a tomar força nos últimos dias, o governo estuda, segundo esse assessor presidencial, aumentar sua participação na Petrobras, capitalizando a empresa e diminuindo a participação de sócios minoritários. Dessa maneira, a União reforçaria seu poder sobre a estatal.

O governo, segundo o assessor, teme o surgimento de disputas judiciais, pois alguns lotes da camada pré-sal já foram licitados pela Petrobras, em parceria com outras empresas, e isso poderia gerar dificuldades nos futuros leilões de áreas vizinhas - ainda há dúvidas se a camada pré-sal descoberta é um campo único de petróleo ou se são vários poços dispersos. No primeiro caso, as autoridades terão de estabelecer acordos de "unitização" para evitar que uma empresa explore petróleo da área vizinha.

"Nada disso está claro na cabeça do presidente", assegurou um aliado governista. Como também não há certezas sobre a criação de um Fundo Soberano para aplicar os recursos obtidos pela extração do petróleo do pré-sal.

Na terça-feira, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, cogitou a possibilidade de criação de dois fundos - um no exterior e outro para investir em educação e saúde. "É mais uma criatividade do Lobão", brincou um assessor do governo. A proposta de fundo soberano que tramita no Congresso, lembrou um governista, se diferencia de outros modelos estrangeiros por funcionar como um mecanismo anticíclico. "Foi pensado dessa maneira justamente para não nos tornarmos escravos do petróleo", completou um petista.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou ontem que, por determinação do presidente Lula, o que for arrecadado com as exportações de petróleo da camada pré-sal será investido em benefício de toda a população brasileira, principalmente nos objetivos de desenvolvimento de longo prazo.

"Uma coisa é certa: essa riqueza do pré-sal não será utilizada em benefício de empresa A, B ou C, mesmo que seja estatal. Será em benefício da população brasileira e isso o presidente Lula garante. De toda essa riqueza imensa, centenas de bilhões de dólares, parte será destinada para a educação, saúde, diminuição da dívida, aumento das reservas, tudo em prol do desenvolvimento do país no longo prazo", comentou Mantega, depois de reunir-se com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Na avaliação de Mantega, o Brasil vai aproveitar experiências de outros países exportadores de petróleo e evitar o que se chama de "doença holandesa". Isso ocorre quando um país é grande produtor e exportador de uma commodity, como o petróleo, e por causa disso atrai fluxos de capitais que acabam valorizando a moeda local e tirando a competitividade das outras indústrias. Com o tempo, esses países deixam de ter indústria e se tornam inteiramente dependentes das receitas daquela commodity.

Se o Brasil tiver acesso a toda essa riqueza, o ministro afirmou que deixará de ser auto-suficiente para ser grande produtor mundial de petróleo, aumentando suas exportações. "Não vamos trazer todos os dólares que obteremos com esse petróleo para não criar uma inflação muito forte ou uma valorização excessiva da moeda brasileira, o que não é desejável. A doença holandesa ocorre quando um país vive só de petróleo e esses recursos desestimulam outras atividades. Não permitiremos isso", disse.

Mantega pediu ontem a Chinaglia empenho nas votações da proposta de criação do fundo soberano, que, na prática, aumenta o superávit primário de 3,8% para 4,3% do PIB. Se o projeto de lei, com pedido de urgência urgentíssima, não for apreciado pelos deputados até 2 de setembro, trancará a pauta. O ministro da Fazenda ressaltou que, sem a aprovação, os recursos economizados terão de ser usados para o pagamento de juros da dívida pública. (Com agências noticiosas).