Título: Modelo norueguês demanda dinheiro público e é de licença
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2008, Brasil, p. A5

O governo brasileiro tem de tomar uma decisão muito delicada se pretende mesmo seguir o modelo norueguês para proteger os interesses do Estado na exploração do petróleo: ou saca dinheiro do Tesouro Nacional para investir na exploração de novos poços, ou se arrisca a procurar sócios privados dispostos a aceitar um parceiro que não põe dinheiro próprio no negócio. É o que afirmam especialistas noruegueses no assunto, como o geólogo Gunnar Soiland, principal engenheiro e coordenador de projetos do Diretório Nacional de Petróleo (NPD), o equivalente, no governo norueguês, à Agência Nacional de Petróleo (ANP).

"Se o Brasil decide criar uma nova empresa 100% estatal, é lógico que o governo invista dinheiro próprio na companhia", comenta Soiland. A hipótese de criar uma empresa estatal sem investir nos campos de petróleo, apenas para retirar uma parte das receitas para o governo, soa estranha para os especialistas noruegueses, mas não é considerada inviável por Soiland. "Se as empresas considerarem o campo extremamente lucrativo, pode ser que aceitem uma estatal como carona", diz ele. O modelo norueguês, porém, é muito diferente e inaplicável no Brasil sem sérias adaptações.

Muito falado no Brasil e pouco conhecido, o modelo adotado pela Noruega tem particularidades, ligadas à história da descoberta e exploração de petróleo no país, que lhe garantem enormes diferenças em relação ao modelo aplicado no Brasil. Copiar simplesmente a experiência norueguesa é impossível, porque, para adotar no Brasil o regime de licenças, tributação, fiscalização e decisão da Noruega, o Brasil teria de alterar profundamente as regras vigentes. Com isso, estaria violando uma das bases do sistema norueguês: a previsibilidade, com a estabilidade das normas para o setor, sem mudanças radicais.

Na Noruega, as companhias petrolíferas não vão a leilão para adquirir concessões que permitiriam a elas explorar os campos: é o governo quem decide quais empresas - sempre em grupo - irão pesquisar, desenvolver e explorar os blocos com chances de encontrar petróleo. Quando determinado bloco é considerado "estratégico" pelos técnicos do NPD e pelo Ministério de Energia, as empresas privadas, para ganhar a licença, obrigatoriamente têm de aceitar no grupo a estatal Petoro, criada em 2001 para administrar as propriedades do governo no setor.

No sistema da Noruega, o governo tem um poder muito maior que no Brasil: o NPD, diferentemente da ANP, é subordinado ao Ministério de Petróleo e Energia, e, baseada em critérios técnicos como os projetos geológicos apresentados, a saúde financeira e experiência da empresa, apenas aconselha o governo sobre as decisões, mas essas são tomadas pelo ministro.

No Brasil, imitar os noruegueses implicaria dar ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a palavra final sobre quais companhias indicadas pela ANP devem explorar as áreas ainda não concedidas com potencial petrolífero.

Diferentemente do sistema de parcerias, no qual um governo decide, em cada campo, qual a parte da receita ou da produção cabe ao setor privado e qual caberia ao setor público, no modelo norueguês cada campo é explorado por um grupo de empresas, escolhido pelo NPD. Com isso, acredita o governo local, há troca de experiências e estímulo para maior produtividade dos campos.

Cada empresa paga impostos ao governo de até 78% da receita operacional, mas elas têm direito a deduções que reduzem esse percentual: podem deduzir da base tributável, em seis anos, o investimento fixo, como "depreciação". Elas podem abater todas as "despesas relevantes", relativas à pesquisa, desenvolvimento, exploração e operação dos campos, custos financeiros e de desativação de poços esgotados. Há ainda uma dedução extra no cálculo da base tributável, de 30% do total do investimento em quatro anos, para garantir a lucratividade dos campos.

Quando, no grupo, há a participação da Petoro (campos "estratégicos"), a receita da estatal é entregue diretamente ao governo - esse detalhe faz as pessoas confundirem o sistema com a tradicional parceria, bem diferente: a Petoro investe também no campo, com base em um orçamento fixado pelo ministério. Nos casos em que os sócios têm de investir mais para cobrir despesas extras no investimento em novos campos, o governo também põe dinheiro, se estiver entre os participantes do projeto. Esse dinheiro, no caso da Noruega, vem de projetos lucrativos que já têm o governo como sócio. O governo detém, diretamente, participação em 114 licenças de produção, das mais de 500 existentes. No caso do Brasil, não se tem notícia de onde tirar esses recursos.

A criação da nova estatal, no Brasil, também não poderia seguir o modelo norueguês. No país nórdico, antes de existir a Petoro, existia uma estatal 100% pertencente ao governo, a Statoil (hoje StatoilHydro), criada em 1972, que recebia privilégios na exploração dos campos de petróleo no país: em cada campo explorado pelo setor privado, 50% obrigatoriamente iam para a estatal. Se o campo produzisse petróleo, a Statoil tinha direito a aumentar para 65% sua participação. Em 1985, alguns anos antes de privatizar parcialmente a Statoil, o governo tomou uma parte de cada participação que a estatal detinha nos projetos licenciados para produção de petróleo. Embora a Statoil continuasse administrando essa fatia da produção dos poços, eles foram destacados no orçamento, como uma "participação financeira direta do Estado", conhecida pela sigla SDFI.

Quando o governo finalmente decidiu vender no mercado ações da Statoil, em 2001, tirando então os privilégios da empresa, foi criada a Petoro para administrar os interesses do SDFI - a estatal hoje evocada como exemplo para o Brasil, por participantes do governo brasileiro. Ao nascer, a Petoro já pôde contar com a receita dos poços e licenças da SDFI. "Estatizaram o que já era estatal", resume Bjorn Leroen, assessor político da prefeitura de Stavanger, cidade norueguesa dedicada à indústria de petróleo.

Exemplo bem-sucedido de economia baseada em recursos naturais que foi capaz de desenvolver uma indústria sofisticada a partir dessa base, a Noruega mantém, ainda 63% da Statoil em poder do governo, e há planos para aumentar essa participação para 67%. As receitas com a Petoro, a Statoil e impostos pagos pelas companhias privadas somam 31% da arrecadação do governo, o setor responde por 48% das exportações, 23% dos investimentos totais e 24% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

O repórter viajou a convite do governo da Noruega