Título: Para analistas, uso de recursos exige cautela
Autor: Lamucci ,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2008, Brasil, p. A3

Arminio Fraga: Qualquer que seja o modelo adotado, é fundamental manter o processo transparente e competitivo O modelo a ser adotado na exploração do petróleo na camada pré-sal e o destino dos recursos a serem obtidos causam muita controvérsia. A criação de uma nova estatal, por exemplo, é vista com reservas por analistas como o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga e o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros. Discutir onde aplicar as receitas do petróleo é considerada um tema de fato importante, mas, para alguns, deveria ser precedido pelo debate sobre como mobilizar o elevado montante de recursos necessário para tornar viável a operação. E o gerenciamento dos ganhos exige cautela, pois o fluxo de dólares advindo das exportações também pode afetar a dívida pública.

Sócio da Gávea Investimentos, Fraga acha fundamental preservar a competição e a transparência qualquer que seja o modelo adotado - quer se mantenha o atual sistema de leilões de áreas de exploração, quer se adote o de partilha da produção. Ele ressalta que, dada a magnitude das reservas e complexidade da operação dos campos do pré-sal, será preciso fazer "um investimento igualmente vultoso" para viabilizar a extração do petróleo, algo que pode ficar na casa de US$ 500 bilhões. "É algo que vai exigir muita competência técnica. É um desafio altamente relevante definir como se vai mobilizar capital e tecnologia do modo mais eficiente para esse objetivo."

Para Fraga, se for adotado o modelo de partilha, não se deve dispensar a licitação na escolha das empresas - na Noruega, não há esse tipo de processo na definição das empresas que operam com a estatal Petoro. "As licitações são um avanço alcançado pelo país nos últimos anos que deve ser mantido", diz Fraga, para quem o sistema poderia ser operado a partir de um departamento do Tesouro Nacional, não havendo a necessidade de se constituir uma nova estatal. "Não vejo necessidade para isso. Mas, se for feita, que seja num ambiente transparente e competitivo."

Para ele, a melhor opção é deixar os recursos a serem obtidos num fundo no exterior (a maior parte das receitas com o petróleo, vale lembrar, será em dólares), com o rendimento da aplicação do dinheiro sendo repassado anualmente para o orçamento, para ser gasto de acordo com as necessidades da sociedade. Com isso, as futuras gerações também vão se beneficiar do dinheiro gerado pelo petróleo do pré-sal, nota Fraga.

Fraga reconhece, no entanto, que deverá haver uma tentação muito grande para utilizar parte dos recursos imediatamente em educação, saúde ou infra-estrutura. O problema, diz, é que trazer uma quantidade grande do dinheiro para o país pressionaria o mercado de câmbio, levando o BC a esterilizar os reais pelos quais os dólares foram trocados, elevando a dívida interna.

Como o "dinheiro é fungível", Fraga aponta o risco de que recursos que seriam destinados anteriormente a investimentos em educação, por exemplo, sejam gastos em outras finalidades, pois haverá um dinheiro extra proveniente do petróleo da camada pré-sal. "É preciso tomar muito cuidado para que não haja uma substituição de recursos e o dinheiro não provoque gastos adicionais."

Ex-presidente do BNDES, Mendonça de Barros considera uma boa opção para explorar o petróleo do pré-sal a constituição de uma sociedade de propósito específico (SPE), sob a guarida do BNDES, nos moldes do que foi feito para a exploração do campo de Marlim, nos anos 90. Por esse modelo, a Petrobras ou outras empresas a serem contratadas se encarregariam da parte operacional, ficando com parte da receita obtida com a venda do produto. A outra parte caberia à SPE. "Não é necessário inventar moda. O modelo de Marlim é uma opção interessante."

Ele considera legítima a discussão sobre o destino do dinheiro a ser arrecadado com o petróleo do pré-sal- se será utilizado na educação ou na saúde, por exemplo. "No caso da privatização da Vale do Rio Doce, um terço dos recursos ficou no BNDES para financiar projetos regionais." Mendonça de Barros diz, porém, que essa é uma discussão que pode ser feita mais à frente, porque ainda não se sabe exatamente quando os recursos começarão a ser gerados.

O economista-chefe do Credit Suisse, Nilson Teixeira, por sua vez, acha que os recursos arrecadados pelo governo devem ser utilizados para abater a dívida pública. "É preciso acelerar a dinâmica de redução da relação entre a dívida pública e o PIB", diz Teixeira, ressaltando que o abatimento de dívidas abriria espaço para o governo brasileiro registrar superávit fiscal. "O governo passa a pagar menos juro e tem espaço para fazer a reforma tributária e reduzir a carga de impostos." O CS estima que a dívida líquida do setor público atingirá no fim do ano 39,6% do PIB, voltando ao patamar de 1998 (38,9%).

Em entrevistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que a prioridade no uso do dinheiro arrecadado com o pré-sal deve ser a redução da miséria e o investimento em educação. Os economistas são unânimes em dizer que a causa é nobre, mas que a forma de concretizá-la pode ser perigosa. Se o governo gastar o dinheiro, isso pode ter um forte impacto no déficit em conta corrente, diz Nilto Calixto, da equipe do CS. Segundo ele, o nível de atividade está elevado e injetar mais recursos na economia neste momento em que muitos setores estão com alto nível de utilização da capacidade pode levar a uma alta de importações. "E se o déficit em conta corrente crescer muito, corre-se o risco de interromper o ciclo de crescimento."

O ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, considera precipitada a discussão sobre o que fazer com o dinheiro, por avaliar que o importante no momento é debater como mobilizar os recursos para extrair o petróleo do pré-sal, uma operação complexa e muito cara. "São recursos de que hoje o país não dispõe", adverte ele. "Discutir coisas como o fundo soberano é algo para 2015. No momento, a discussão deve ser sobre como cobrir o rombo soberano. "Há economistas de bancos, porém, que acham que a discussão sobre o uso dos recursos deve começar desde já porque parte desses recursos pode ser antecipada com os leilões de exploração.

Goldfajn também é refratário à idéia de mudanças na lei do petróleo e à criação de uma nova estatal. Para ele, a atual legislação pode dar conta das novas descobertas. É possível aumentar a taxação sobre os novos campos a serem licitados, diz ele, sem que seja necessário abandonar o modelo vigente. "Há um gosto por se criar novas estatais", critica Goldfajn, mostrando ceticismo quanto à possibilidade de que a nova empresa seja enxuta. (Colaborou Raquel Balarin)