Título: EUA exigem saída de Kadafi
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2011, Mundo, p. 19

Presidente americano diz que ditador líbio perdeu a legitimidade. Regime intensifica bombardeios no leste do país

Morador de Trípoli, Hatem, 45 anos, reagiu com ceticismo ao discurso do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Durante entrevista coletiva na tarde de ontem, na Casa Branca, o mandatário norte-americano sinalizou que sua paciência com o ditador líbio, Muamar Kadafi, está prestes a esgotar. ¿Os Estados Unidos e o mundo inteiro seguem revoltados pela horrível violência contra o povo líbio¿, afirmou Obama, ao lado do colega mexicano, Felipe Calderón. ¿Continuaremos enviando uma mensagem clara. A violência deve parar. Muamar Kadafi perdeu a legitimidade e deve partir¿, acrescentou, antes de advertir que tem um leque de opções ¿ ¿militares e não militares¿ ¿ para lidar com a crise. Obama prometeu levar em conta ¿o que for melhor para o povo líbio¿ e revelou que aviões militares dos EUA e aeronaves de carreira da França vão repatriar os refugiados egípcios que fugiram para a Tunísia, na tentativa de escapar da violência na Líbia.

De acordo com Hatem, os próprios líbios sabem que a renúncia do ditador é um cenário pouco provável. ¿Kadafi não vai abandonar o poder. Ele se diz o avô da revolução em meu país. Pelo que sabemos desse homem de 42 anos, ele precisa ser chutado de seu gabinete¿, disse o especialista em tecnologia da informação, por telefone, sob a condição de não ter seu sobrenome revelado. ¿É perigoso demais¿, justificou-se. Hatem sabe que existem mercenários à solta, operando sob as ordens do regime. Dois foram capturados na casa de sua tia, na última sexta-feira. ¿Ninguém está trabalhando. Algumas pessoas saíram apenas para comprar comida e água¿, relatou. A capital líbia deve viver uma sexta-feira tensa. No dia sagrado para os muçulmanos, muitos se reunirão nas mesquitas, dispostos a tomar as ruas após as orações.

Se a quinta-feira foi relativamente calma em Trípoli, a cidade de Marsa El Brega ¿ 800km a leste dali ¿ voltou a ser sacudida pelas bombas de Kadafi. Segundo a agência de notícias France-Presse, aviões de guerra atacaram uma área entre a companhia de petróleo e a zona urbana. Forças da oposição se deslocaram para a região, com o objetivo de reforçar as posições, prevendo um provável ataque. Fattah Al-Moghrabi, funcionário do hospital da cidade, revelou que 12 pessoas morreram anteontem, em meio a pesados combates apoiados pela aviação e pela artilharia pesada. O Pentágono reconheceu que a Líbia usou bombardeiros contra a insurreição. A volatilidade da segurança no país levou um navio do Programa Mundial de Alimentos da ONU a suspender a viagem até Benghazi (leste) e a dar meia-volta, após relatos de bombardeios nas regiões. A embarcação transportava mil toneladas de farinha.

O Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, confirmou ontem que abriu investigação de Kadafi e de vários altos dirigentes líbios por crimes contra a humanidade. O argentino Luis Moreno-Ocampo, procurador da Corte, documentos descrevem ¿manifestantes pacíficos sendo atacados pelas forças de segurança¿. Além de Kadafi, Ocampo citou alguns dos filhos do ditador, o chanceler, o chefe da segurança do regime e da inteligência militar, o chefe da segurança pessoal e o responsável pela segurança interna. Consultado pela reportagem, o tunisiano Jabeur Fathally ¿ professor da Faculdade de Direito da Universidade de Ottawa (Canadá) ¿ previu um julgamento fácil. ¿Todas as violações dos direitos humanos estão bem documentadas. Os procedimentos do TPI serão bem-sucedidos, pois Kadafi já não conta com qualquer apoio¿, explicou. ¿Ele perdeu todo tipo de legitimidade. Muitos de seus importantes assessores, ministros e embaixadores o abandonaram. Politicamente acabado, o ditador tenta adiar sua partida, o que pode custar centenas de vidas inocentes.¿

Premiê egípcio entrega cargo O Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito, instância que governa o país desde a queda do presidente Hosni Mubarak, aceitou ontem a renúncia do primeiro-ministro Ahmed Shafiq. O premiê será substituído pelo ex-ministro Esam Sharaf. Professor de engenharia na Universidade do Cairo, Sharaf assumiu o Ministério dos Transportes em 2000, mas foi destituído do cargo em 2005 por divergências com o ex-primeiro-ministro Ahmad Nazif. No Iêmen, a oposição e os líderes religiosos apresentaram ao presidente Ali Abdullah Saleh um plano para solucionar a crise no país, que prevê a saída do chefe de Estado até o fim deste ano. O mandato de Saleh, no poder há 32 anos, expira em 2013. A Tunísia marcou para 24 de julho a eleição da nova Assembleia Constituinte. O anúncio foi feito pelo presidente Fued Mebaza, em discurso transmitido pela TV.