Título: Madeira ilegal em fazenda de Passos
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2011, Cidades, p. 23
Policiais flagram grandes quantidades de angico e aroeira cortadas em uma das propriedades do ex-deputado distrital e ex-secretário de Agricultura. Ele nega ilegalidade e apresenta notas fiscais, mas não possui autorização do Ibama para estocar o material
A Polícia Militar realizou ontem a maior apreensão de madeira ilegal da história do Distrito Federal. Integrantes do Batalhão Ambiental sobrevoavam a região de Planaltina quando avistaram uma clareira com centenas de toras, que somam pelo menos 50 metros cúbicos. Assim que o avião pousou, os responsáveis pela operação descobriram que a madeira irregular estava na Fazenda Larguinha, de propriedade do ex-deputado distrital Pedro Passos. Agora, ele vai somar à lista de processos mais uma acusação, desta vez de crime ambiental. O dono da área poderá ser condenado a uma pena de detenção de seis meses a um ano e terá que pagar multa de R$ 15 mil.
A partir das 9h de hoje, policiais do Batalhão Ambiental e funcionários do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) vão retirar a madeira, mas a operação só deve ser concluída no fim da semana que vem, por causa da grande quantidade. Enquanto isso, pelo menos cinco militares ficarão acampados para proteger o material. As toras devem ser doadas a entidades beneficentes. Ainda hoje, será feita a medição precisa das madeiras. A primeira análise indicou cerca de 50m³, mas funcionários do Ibama acreditam que o volume deve ser bem maior, já que havia toras e lascas escondidas no meio do mato, em locais um pouco mais afastados da clareira principal.
No fim da tarde de ontem, o ex-deputado distrital foi ao local para entregar notas fiscais que supostamente atestariam a origem da madeira. Mas o comandante do Batalhão Ambiental, tenente-coronel Cláudio Ribas, disse ser impossível, naquele momento, saber se o documento correspondia às toras encontradas. ¿Já pudemos perceber que a quantidade indicada na nota fiscal não corresponde ao material que havia na fazenda. De qualquer forma, a área não tem certificado para estocar o produto¿, explicou o comandante.
A madeira nativa apreendida, das espécies angico e aroeira, estava a céu aberto. No momento da operação, havia apenas funcionários na fazenda e ninguém foi preso. Pedro Passos não recebeu a notificação de abertura de processos administrativo e criminal, ontem, mas é certo que ele responderá em liberdade. Após a autuação do Ibama, o caso será encaminhado à Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do DF, que ficará responsável pela parte criminal. As sanções administrativas serão aplicadas pelo Ibama.
É crime comprar, vender, transportar ou armazenar madeira, lenha ou carvão sem autorização emitida pelo Ibama. O proprietário tem que apresentar a licença e o Documento de Origem Florestal (DOF), que certifica a legalidade do produto e as condições de transporte e armazenamento. Mesmo que Pedro Passos tenha a nota fiscal das toras, o Ibama não concedeu autorização para que o produto fosse estocado na Fazenda Larguinha.
O chefe da Divisão de Gestão e Proteção Ambiental do Ibama-DF, Gustavo Podestá, explicou que a nota fiscal só serve para comprovar a procedência de quantidades de madeira inferiores a 2m³. ¿Acima disso, é preciso apresentar o Documento de Origem Florestal (DOF). Também é preciso ter um pátio de armazenamento homologado pelo Ibama. No caso da apreensão de hoje (ontem), não havia nada disso¿, ressaltou.
As regras aplicam-se ao armazenamento e transporte de madeira nativa, como o angico e a aroeira. ¿Se fossem eucaliptos ou pinus, que são árvores plantadas, por exemplo, não precisaria do DOF. Já no caso de outras árvores em que o corte é proibido, como o mogno ou a castanheira, nem com o DOF a armazenagem é permitida¿, esclareceu Gustavo Podestá.
Apreensões menores No Distrito Federal, a maioria das apreensões de madeira ilegal ocorre em lojas de material de construção e, por isso, as quantidades localizadas pelo Ibama ou pela Polícia Ambiental são menores. Segundo a PM, o produto confiscado ontem na fazenda de Pedro Passos representa a maior apreensão da história. Já o Ibama prefere aguardar a medição oficial, hoje, para mensurar a apreensão.
Pedro Passos alegou que quando comprou a Fazenda Larguinha, há cerca de 10 anos, a madeira já estava no local. Ele afirmou que o produto não é guardado com finalidades comerciais. ¿A gente usa isso para consertar cercas e para fazer a manutenção da fazenda¿, garantiu. ¿A madeira está empilhada lá há anos, tanto que o mato cresceu em volta. Conheço a área rural do DF inteira e posso afirmar que nenhum produtor ou fazendeiro com madeira para uso doméstico tem documentação do Ibama. De qualquer forma, tenho as notas fiscais¿, finalizou o ex-distrital.
Documentos falsos A extração, o transporte e o armazenamento ilegal de madeiras são alguns dos crimes ambientais mais comuns no Brasil. Quando as toras são cortadas irregularmente, os criminosos não seguem requisitos básicos indispensáveis à preservação da flora. Os madeireiros retiram as árvores com maior valor comercial e, para isso, destroem todas as outras ao redor.
É frequente a transformação das áreas desmatadas em pastagens. Em muitos casos, há utilização de mão de obra infantil ou escrava. O material extraído às margens da lei é transportado de forma precária, frequentemente com o uso de documentos falsos ou com o pagamento de propina a fiscais. Outro prejuízo desse comércio ilegal é a sonegação de impostos.
Carlos Moura/CB/D.A Press O acusado responde a vários processos na Justiça do DF Propinas e grilagem Após ocupar cargos importantes em governos passados, Pedro Passos (PMDB) viu seu partido chegar novamente ao Palácio do Buriti. Mas, desta vez, a influência do ex-distrital é pequena. Para ampliar o seu campo de atuação no GDF, ele tem pressionado representantes do primeiro escalão do governo e até deputados. Exige cargos, principalmente no setor da agricultura ¿ área que comandou no governo do amigo Joaquim Roriz. Em telefonemas e mensagens de texto enviadas a integrantes do GDF e aliados, o ex-parlamentar diz que investiu dinheiro na campanha e agora quer uma compensação.
Pedro Passos saiu definitivamente do noticiário político para ganhar mais espaço nas páginas policiais em 2007, quando teve que renunciar ao mandato na Câmara Legislativa. A acusação que sepultou sua atuação na casa e o levou à cadeia por quatro dias foi a de ingerência política para favorecer a construtora Gautama em licitações para construção de barragens.
A Polícia Federal flagrou Passos em escutas telefônicas negociando com representantes da empresa. Em maio de 2007, ele acabou preso pela PF, mas foi liberado por conta de um habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que considerou a detenção ilegal. Em dezembro do ano passado, o ex-parlamentar foi denunciado à Justiça por corrupção passiva, tráfico de influência e formação de quadrilha por causa desse episódio.
Passos já havia sido flagrado em outra escuta telefônica. Em 2002, a polícia gravou o então candidato a distrital em intensas conversas telefônicas, negociando a criação de um condomínio irregular em áreas públicas do Lago Sul. Somente em julho do ano passado, a Justiça sentenciou o acusado por parcelamento irregular do solo. A 1ª Vara de Fazenda Pública condenou o réu a quatro anos de cadeia em regime semiaberto, mais multa de R$ 15,3 mil. Pedro Passos recorreu da decisão em liberdade.