Título: Para ganhadores do Nobel, o mercado livre nem sempre é justo
Autor: Perry, Joellen
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2008, Internacional, p. A11

A globalização e a tecnologia aumentaram as desigualdades econômicas no mundo, de acordo com quatro ganhadores do Prêmio Nobel de Economia. Para eles, os governos deveriam intervir para ajudar os mais pobres.

Os Nobéis se reuniram em uma ilha de paisagens pictóricas no sul da Alemanha e no sábado se focaram na crescente disparidade entre ricos e pobres, que passou a ser uma questão importante em eleições ao redor do mundo, inclusive a que definirá a presidência dos Estados Unidos. A discussão se concentrou mais em temas abrangentes do que soluções detalhadas. Mas o principal propulsor era claro: o livre mercado não é sempre justo e economistas deveriam ajudar os governos a achar uma maneira de aliviar o problema.

"Boa parte da economia trata da relativa eficiência da alocação de mercado", disse Robert Solow, economista americano de pendores esquerdistas que ganhou o Prêmio Nobel em 1987 por separar os componentes de crescimento econômico em trabalho, capital e mudança tecnológica. No entanto, Solow disse que economistas também devem estudar como melhor redirecionar renda "dos que lucram com desenvolvimentos na economia para os que são prejudicados por eles".

Solow, que foi economista do governo do presidente John Kennedy, no início dos anos 60, identificou três causas principais para a crescente disparidade global. A globalização, segundo ele, aumentou drasticamente o número de trabalhadores menos qualificados, diminuindo os salários destes em países desenvolvidos. A rapidez das inovações tecnológicas também fez crescer a demanda por trabalhadores altamente qualificados, cujos salários aumentaram devido a uma demanda maior do que a oferta. E sindicatos perderam terreno e os salários dos trabalhadores sofreram quando os países desenvolvidos deixaram de ter economias dominadas pela manufatura e passaram a ser predominantemente de serviços.

Na medida em que o crescimento da desigualdade é produto de forças tão fundamentais, Solow disse que "é difícil saber o que fazer sobre a questão. Aceitá-la e consertá-la é melhor do que tentar prevenir". Na prática, isso significa aumentar os impostos dos cidadãos mais ricos.

A globalização pode ter resultados variados, disse George Akerlof, americano que ganhou o Nobel em 2001 por trabalho sobre como os mercados funcionam quando compradores e vendedores têm diferentes quantidades de informação sobre o produto à venda.

"A abertura é boa para países que têm capacidade administrativa para lidar com isso", disse Akerlof, agora professor de economia na Universidade da Califórnia em Berkeley. No entanto, em países como a Índia no século 19, globalização significava sucumbir às regras estrangeiras com "conseqüências extremamente ruins".

Agora, no entanto, muitos indianos estão se beneficiando da abertura das fronteiras porque o país adotou as mudanças tecnológicas - fator positivo para a economia global, ainda que ponha empregados americanos na rua. "Toda vez que alguém consegue um trabalho em Bangalore eu vibro, porque significa que a distribuição global foi mais equilibrada", disse Akerlof, cuja mulher, Janet Yellen, foi economista do governo Clinton e é atualmente presidente do Federal Reserve (BC dos EUA) de San Francisco.

A distribuição da riqueza entre países requer instituições saudáveis, disse Finn Kydland, economista norueguês que também trabalha na Universidade da Califórnia em Berkeley. Ele ganhou o Nobel em 2004 pelo seu trabalho sobre as forças que direcionam os ciclos de negócios e pela pesquisa que mostra como motivações políticas de curto prazo podem sabotar sólidas políticas econômicas.

"A globalização deveria ser boa para todos os países", mas não é, a menos que as políticas governamentais estejam à altura do desafio, disse Kydland. Olhe para Brasil e Argentina nas duas últimas décadas, acrescentou. No Brasil, o crescimento global fez com que o salário dos trabalhadores menos qualificados aumentasse mais do que o dos trabalhadores com salários mais altos. A Argentina, ao contrário, viu seu PIB per capita cair 20% nos anos 80, quando uma série de governos acumularam dívidas até que sucumbiram. Desde então, os salários reais caíram e a disparidade entre ricos e pobres aumentou.

O que fez a diferença? "Política econômica ruim", disse Kydland. "Se não há mecanismo para redistribuição, ela provavelmente não acontecerá."

Governos que lidam com desigualdades precisam dos dados certos, disse Robert Fogel, americano que ganhou o Nobel de 1993 por aplicar análises estatísticas no estudo de história econômica. Os dados de desigualdade dos EUA, disse Fogel, provavelmente apresentam um número de pessoas que estão presas permanentemente na pobreza maior do que o real.

A disparidade econômica nos EUA é bem menor quando medida por gastos do que por renda, disse Fogel, economista da Universidade de Chicago. Ele disse que isso deve acontecer porque muitas pessoas que estão no grupo de renda mais baixa estão lá temporariamente: por exemplo, quando uma pessoa de classe média perde seu emprego e ainda não teve empréstimos ou não vendeu seus bens.

"Os governos de países ricos como os EUA são obrigados a melhorar as condições de vida para os pobres", disse Fogel. "Minha mensagem é: tenha certeza de que você sabe o que está fazendo quando lida com o pesado machado fiscal."