Título: Criatividade de sobra, conteúdo de menos
Autor: Baumgarten , Monica
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2008, Opinião, p. A12

As críticas à política monetária são um terreno fértil para o exercício da criatividade de seus analistas. Há argumentos para todos os gostos. Para os eternos descrentes, há os que postulam que os juros são um instrumento de contenção de demanda ineficaz; para os que acreditam que a inflação no Brasil é culpa "dos outros", no caso, da elevação dos preços das matérias-primas no mercado mundial, há os que insistem que não se combate um choque externo de preços com elevação de juros; para os que gostam das comparações internacionais, repete-se ad infinitum o mantra de que temos a maior taxa de juros real do mundo; para os que vivem assombrados pela possibilidade de termos uma crise externa nos moldes das que castigavam as economias emergentes no passado, cita-se o efeito dos juros sobre a trajetória de valorização do câmbio e a possível acentuação da piora das contas externas. Em comum, nenhum destes argumentos oferece alternativas para a redução dos riscos de descontrole inflacionário, que, independentemente de suas causas, não podem ser ignorados. E cada um deles apresenta falhas na suposta lógica macroeconômica que os fundamenta.

Comecemos pelo argumento mais dramático de que os juros são um instrumento inadequado de contenção de demanda. A experiência internacional deixa poucas dúvidas sobre a falsidade deste argumento. Uma via importante através da qual a política monetária afeta a demanda agregada, por exemplo, é o canal do crédito para a sua transmissão. Há várias formas de defini-lo, mas, a grosso modo, o canal do crédito postula que um aperto monetário exerce um efeito negativo sobre os balanços dos tomadores de crédito na economia, diminuindo tanto a demanda quanto a oferta de crédito, devido a imperfeições inerentes a este mercado. Portanto, o bom funcionamento deste mecanismo aumenta a chamada "potência" da política monetária, isto é, a capacidade de influenciar a demanda agregada através do instrumento de juros. Com a consolidação da estabilidade macroeconômica e o consequente aumento do volume de crédito na economia brasileira, há evidências de que o canal do crédito seja hoje mais relevante do que no passado.

A segunda crítica, de que os juros são impotentes para conter a inflação global, ignora a importância dos repasses em um ambiente de demanda doméstica superaquecida, cujas evidências só não são nítidas para os que vivem em eterno conflito com a realidade. De fato, os juros domésticos não vão arrefecer os preços das matérias-primas no mercado externo, mas vão dificultar a degeneração destes impulsos em aumento do patamar inflacionário. A importância dos repasses pode ser vista por dois prismas. Por um lado, há uma generalização dos aumentos de preços, evidenciada pelo aumento do índice de difusão do IPCA, constatado nos últimos meses. Por outro, há o fato de que a inflação importada está sendo repassada para os preços de bens não-transacionáveis pelo uso dos IGPs nas fórmulas de indexação, da qual os aluguéis são o exemplo mais gritante.

A terceira crítica, por ser excessivamente simplista, merece apenas a seguinte observação: nenhum banco central sério faz política monetária comparativa. Isto é, a política monetária não é uma competição para ver quem consegue ter a menor taxa de juros, o maior nível de crescimento, e a menor taxa de inflação. Deixemos que a sanha competitiva seja mais adequadamente saciada pela Olimpíada.

-------------------------------------------------------------------------------- Contas externas sendo prejudicadas pelo câmbio não é argumento para não elevar os juros diante da inflação de preços --------------------------------------------------------------------------------

Por último, há o terrorismo com o impacto dos juros sobre a evolução do setor externo. De fato, o aumento das taxas de juros no curto prazo abre o diferencial em relação às taxas praticadas em outros países, estimulando a entrada de capitais e gerando pressões de valorização cambial. Se persistentes, estas pressões prejudicam as contas externas na medida em que possam traduzir-se em movimentos de apreciação da taxa de câmbio real. Isto, no entanto, não é um argumento para não elevar as taxas de juros diante de uma deterioração do panorama inflacionário.

O caso da Coréia é ilustrativo, dado que, no período recente, há algumas semelhanças notáveis entre o país e o Brasil. Já podemos dizer, por exemplo, que crescemos a taxas "asiáticas": desde o fim do ano passado, o Brasil registra taxas de crescimento acima de 5%. A média do crescimento coreano na última década, isto é, depois da crise de 1997/98, é de 5,6%. Brasil e Coréia têm hoje níveis de reservas internacionais bastante próximos, de US$ 200 bilhões e US$ 260 bilhões, respectivamente. Também temos taxas de inflação coreanas: 6% no Brasil nos últimos 12 meses contra 5,5% na Coréia. Por último, assim como na Coréia, temos observado uma rápida deterioração das contas externas. No entanto, quando analisamos a trajetória do câmbio, as semelhanças acabam. Enquanto o real continua a se valorizar perante o dólar, o won vem sofrendo uma forte desvalorização, o que levou recentemente o ministro da Fazenda a declarar que a situação do país é hoje comparável aos piores momentos vividos nas vésperas da crise de 1997/98.

O que explica, à luz de importantes semelhanças, o comportamento divergente das moedas brasileira e coreana? Além das commodities, a grande âncora da economia brasileira tem sido a política monetária. Reforçada pela mais recente decisão do Copom, a percepção dos investidores é que a autoridade monetária está plenamente engajada em manter a estabilidade macroeconômica e em impedir o descontrole inflacionário, mesmo que isto sacrifique um pouco do crescimento "asiático" alcançado. Em contrapartida, o banco central coreano tem sido bem menos agressivo no combate à inflação. Na sua última decisão de juros, a autoridade monetária da Coréia manteve a taxa de juros em 5% pelo 11º mês consecutivo, optando por intervenções maciças no mercado de câmbio para conter as pressões inflacionárias "importadas". Estas medidas não têm sido bem recebidas pelos investidores externos, que continuam reduzindo o seu grau de exposição ao país. Ao contrário do Brasil onde a conta financeira está superavitária em US$ 40,7 bilhões nos primeiros 6 meses do ano, a conta financeira da Coréia de janeiro a maio registrou um déficit de US$ 1,2 bilhões.

Para os críticos de plantão da política monetária, estas são lições importantes. Graças ao Banco Central, ainda não sucumbimos à velha dinâmica de deterioração externa, descontrole cambial e desatino inflacionário. Esperemos que continue assim.