Título: Comissão discute emissão de bônus e capital da Petrobras
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2008, Brasil, p. A5

Nas reuniões do comitê interministerial que discute o pré-sal, duas propostas já foram apresentadas para resolver o dilema do financiamento, caso a opção seja manter esse petróleo nas mãos do governo. A Fazenda sugeriu a securitização das reservas por meio da emissão de bônus, o que permitiria ao governo transformar o que ainda são reservas potenciais em dinheiro. Já a Petrobras propõe que as áreas da União no pré-sal já concedido, mas que são extensão dos campos encontrados no pólo de Tupi, sejam integralizadas sob a forma de um aumento de capital do governo na Petrobras. Essa operação - que exclui as áreas não licitadas e que por isso pertencem à União - ainda não tem valor quantificado, mas está na casa de bilhões de dólares.

Nesse modelo a Petrobras aumentaria seu naco sobre essas reservas, assumindo os investimentos na mesma proporção. Ela teria, nesse caso, a companhia dos sócios, seja para os investimentos, seja para os desafios tecnológicos que precisarão ser superados.

A operação defendida pela Petrobras ganha sentido se for confirmada a suspeita de que alguns reservatórios do pré-sal (Bem-te-Vi, Parati, Caramba e Ogum) se estendem até Guará, o mesmo acontecendo entre as áreas de Tupi e Iara. A distância que separa um e outros - todos blocos já concedidos em leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP) - é da União. Se for verdade, será preciso calcular o tamanho da área total dos reservatórios para definir quanto deles está fora da área da concessão e, portanto, ainda pertence à União.

Os concessionários em cada bloco são diferentes e no conjunto da área já licitada, a Petrobras tem maior participação. Mas quem vai responder pelos investimentos que cabem a esse novo "sócio"? Quem vai pagar pela perfuração em áreas da União, necessária para dimensionar as reservas? Um poço nesta área do pré-sal custa na faixa de US$ 150 milhões e talvez sejam necessários 10 novos poços para delimitar os reservatórios. Quem vai "bancar" isso? É essa pergunta que as propostas da Fazenda e da Petrobras tentam resolver.

E o volume de recursos é expressivo, embora ainda não seja possível dimensioná-lo, de fato. O banco UBS estimou, em maio, que serão necessários US$ 600 bilhões para produzir 50 bilhões de barris de petróleo depositados nos campos do pré-sal já descobertos, mencionando especificamente Tupi, Júpiter, Carioca e vizinhos. Se uma parte é do governo federal e se ela não vender essas áreas, terá que providenciar os investimentos. Nesse caso os direitos e obrigações da União terão que ser exercidos por uma entidade governamental.

Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos e ex-diretor do BC, lembra que investimentos da magnitude estimada pelo UBS representam 38% do Produto Interno Bruto (PIB). O atual plano de investimentos da Petrobras para 2008-2012, que está sendo revisado, prevê investimentos de US$ 65 bilhões em exploração e produção nesse período, que representam 4% do PIB.

A ANP já manifestou seu entendimento, amparado pela Lei do Petróleo, de que quando uma jazida se estende para uma área não concedida, pertencente à União - o que parece ser a situação de Tupi, Carioca e adjacências - a área da União pode ser colocada em uma nova licitação. Contudo, se a decisão for não licitar, a agência pode agir como concessionário na negociação de um acordo para a individualização da produção, cabendo ao Executivo resolver a questão de forma definitiva.

Além do desafio financeiro, explorar o pré-sal é uma tarefa que vem se mostrando cheia de outros desafios. A estrutura dos reservatórios é diferente, a quantidade de gás carbônico não é desprezível e será necessário arrumar um local para despejar esse gás, já que a queima em volumes tão grandes é impensável. No início a Petrobras vai reinjetar o gás, mas já procura cavernas submarinas que sirvam de depósito. Isso para não se mencionar os caríssimos equipamentos que terão que ser feitos com material de alta resistência como aços especiais de liga de cromo e níquel (os superduplex), desenvolvidos para suportar a pressão e evitar a corrosão do gás.

A avaliação de um técnico do governo é de que as duas propostas - a da Fazenda e a da Petrobras - podem não prosperar devido ao elevado grau de incerteza que ainda paira sobre o tamanho das reservas, a produtividade dos reservatórios carbonáticos encontrados no pré-sal (que têm um comportamento diferente de tudo que é conhecido no Brasil até agora), e sobre os custos de exploração. Essas incertezas fariam com que esse petróleo fosse avaliado muito por baixo, o que contraria a intenção do governo de ter receitas bilionárias. O experiente analista de um grande banco também vê problemas com a Lei das S/A já que os campos do pré-sal não são, ainda, ativos com valor patrimonial e econômico claros.

"Quem pode dizer hoje quanto valem esses ativos?", pergunta o analista. Uma fonte familiarizada com o tema diz que existem no mundo dezenas de transações feitas com reservas possíveis nesse estágio de desenvolvimento. "Isso é parte do dia-a-dia da indústria de petróleo. Não estamos falando de jabuticabas", resume.

Outra proposta que já foi colocada na mesa para essa área da União que se estende entre os blocos já licitados, envolve a adoção de um modelo de partilha de produção já para estas reservas. A dúvida é se alguma empresa aceitaria arcar com os investimentos sob um regime de partilha, diferente das parceiras, que explorariam a área comum sobre o regime de concessão. A proposta da Petrobras mostra que a companhia tem confiança de conseguir tocar esse desafio.

Por outro lado, no governo há quem defenda que os investimentos que cabem à União podem perfeitamente ser assumidos pelos demais sócios que iriam então "carregar" o governo federal como se diz na linguagem petroleira. Mas isso teria que ser negociado no gigantesco acordo de unitização (exploração negociada de uma reserva comum) que está por vir. E exigiria uma agência reguladora forte. O contrato assinado pelas empresas que participaram da 2ª Rodada de Licitações em 2000, quando Tupi e seus vizinhos foram leiloados, é específico ao dizer que a ANP agirá como concessionário para celebração de um contrato de individualização da produção das áreas.

Hoje, a própria ANP pode ditar o ritmo da produção e já sinalizou que não vai autorizar a extração de nenhuma gota de petróleo em Tupi antes que o acordo seja assinado. Isso significa que ele terá que ser negociado pelas oito empresas e a União até dezembro do próximo ano, data estimada para a entrada do piloto de Tupi, que deve produzir 100 mil barris por dia.