Título: Fim do nepotismo, uma importante decisão
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2008, Opinião, p. A14

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é vetada a contratação de parentes em até terceiro grau, incluindo cônjuges, para cargos da administração direta e indireta da União, dos Estados e dos municípios. A única exceção feita foi para cargos de governo, como ministros e secretários. A proibição liminar do nepotismo na administração pública é um passo importante para romper com uma cultura onde a ocupação de um cargo público, não raro, é feita sob o entendimento de que a ele inclui o direito familiar sobre um território - um município, um tribunal ou um departamento da administração pública, por exemplo. O primeiro grande passo foi dado pela Constituição de 1988, que definiu como regra que a porta de entrada do serviço público é o concurso. A decisão do STF vem coibir abusos à exceção a essa regra.

A Constituinte acabou com as contratações em massa às vésperas das eleições - que em Estados do Nordeste, por exemplo, eram capazes de eleger o candidato apoiado pelo governo com o salário pago pelo contribuinte. A brecha deixada, todavia, foi destinada aos parentes. É uma regra no Legislativo a contratação de parentes para os inúmeros cargos em comissão associados ao gabinete do parlamentar. Se no âmbito do Executivo federal essa prática é mais discreta - embora não se possa dizer que ela inexista -, nos municípios a contratação de parentes quase que faz parte do "pacote": o prefeito se elege para a prefeitura e ganha mais um tanto de cargos que, acredita, pode preencher como quiser. A Justiça também não escapa disso. Aliás, um dos julgamentos realizados pelo STF que deu margem à decisão foi o de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), que pretendia garantir a aplicação da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que proibia a prática de nepotismo no Judiciário. A decisão da CNJ, de 2005, foi sucedida por uma série de contestações de juízes do país inteiro, que queriam manter uma tradição em que o contratante em cargo público decide, sem regras ou interferências, quem contratar para um cargo de confiança e de preferência escolhe um parente, no pressuposto de que ninguém merece mais confiança do que alguém da família. A AMB, que tem tido uma gestão exemplar na defesa da transparência da magistratura, provocou uma manifestação do STF - e, com ela, uma súmula vinculante - para evitar que inúmeras contestações judiciais inibam a ação profilática da CNJ.

O julgamento de um recurso à nomeação de um irmão do vice-prefeito de Água Nova (RN) como seu motorista, e de um parente de um vereador nomeado como secretário, deu ao STF o pretexto para generalizar o entendimento aos demais poderes e definir exceções. O STF entendeu como "cargos políticos" excluídos da norma apenas os ministros e secretários.

O resultado prático da edição da súmula vinculante é que o Ministério Público poderá protocolar diretamente no STF reclamações contra os desobedientes. A súmula é um instrumento ágil, que pode erradicar rapidamente o nepotismo da vida pública brasileira. Num primeiro momento, aliás, espera-se a movimentação de uma massa humana no próprio Congresso. O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), relator de uma emenda constitucional que tramita há três anos e pretendia erradicar o nepotismo, estimou para o jornal "Folha de S. Paulo" que existam pelo menos 1.500 servidores do Legislativo federal que têm parentesco com os parlamentares. Uma forma comum de driblar tentativas de inibir o nepotismo tem sido as contratações cruzadas, isto é, um parlamentar contrata o parente do outro, que retribui contratando um seu parente - ou juiz com juiz, ou parlamentar com juiz fazem essa troca de favores. O STF pretende coibir também essa prática. Será mais difícil, mas de qualquer forma, definir o nepotismo como inconstitucional e ilegítimo expõe para a sociedade uma intenção moralizante. O próximo passo é reduzir ao mínimo o número de cargos de confiança. Se União, Estados, municípios; Executivo, Legislativo e Judiciário; administração direta e indireta - enfim, se os entes públicos profissionalizarem suas gestões, chegará um momento em que a sociedade entenderá que deverão fazer parte dela, com pouquíssimas exceções, apenas os que tiverem prestado concurso público.