Título: Taxa de câmbio e crescimento econômico
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2008, Opinião, p. A14

Neste artigo iremos argumentar que, apesar da maioria dos analistas econômicos considerarem que o câmbio valorizado reduz as possibilidades de crescimento, a economia brasileira apresenta características que fazem com que os efeitos positivos do câmbio valorizado superem os negativos.

Uma análise criteriosa da relação entre câmbio e crescimento precisa considerar os efeitos do câmbio sobre a demanda agregada e a capacidade produtiva da economia.

Os que consideram que a desvalorização cambial induz a expansão da economia argumentam que a redução do valor da moeda nacional estimula exportações e desestimula importações, com claros efeitos positivos sobre a demanda agregada. Além disso, gera aumento da produtividade da economia por incentivar os investimentos no setor industrial, considerado mais produtivo que o setor de serviços.

Antes de levantar aspectos positivos da valorização cambial é preciso entender o que constitui o câmbio real. A taxa de câmbio real é a relação entre os preços no exterior e no país, medidos na mesma moeda. O país que tem preços internos mais elevados que no exterior tem taxa de câmbio real mais valorizada. Essa diferença de preços se dá basicamente devido aos diferenciais de salários. Países que têm salários mais altos têm preços de serviços mais elevados e câmbio valorizado em relação aos países onde os salários são mais baixos.

Outra forma de ver a taxa de câmbio real é como a relação entre o preço dos bens comercializáveis e dos bens não-comercializáveis. Taxa de câmbio desvalorizada implica redução do preço relativo dos bens não-comercializáveis, inclusive do salário, preço do trabalho. Então, quando se fala em desvalorizar o câmbio, está implícito o argumento de que é preciso reduzir os salários em relação aos pagos no exterior para tornar a produção nacional mais competitiva.

Se, por um lado, a desvalorização cambial estimula as exportações líquidas, por outro, reduz a demanda interna. Isso ocorre pela redução do poder de compra dos salários e pelo efeito de alta sobre as taxas de juros. Quando o câmbio nominal sobe, gera pressão sobre os preços, o que leva a juros mais altos. Entre 1999 e 2003, essa relação entre câmbio e juros determinou a dinâmica do crescimento da economia brasileira. Algum choque externo que reduzisse a disponibilidade de crédito internacional provocava desvalorização cambial, aumento da inflação e das taxas de juros e menor crescimento econômico. Após 2003, o cenário internacional favorável valorizou o câmbio e permitiu a queda das taxas de juros e maior crescimento econômico.

-------------------------------------------------------------------------------- Com câmbio flutuante, se o mercado entender que o déficit externo não é financiável, a taxa de câmbio se desvaloriza --------------------------------------------------------------------------------

Em relação ao impacto do câmbio sobre a produção industrial, é preciso considerar que o Brasil é uma economia relativamente fechada em que o mercado interno tem um peso bem maior que o externo.

Veja o exemplo da indústria automobilística, que nos três anos entre 2005 e 2007 viu a quantidade exportada de automóveis cair ao ritmo de 1% ao ano, e a produção crescer 8,6% ao ano, graças à expansão do mercado interno. Nesse mesmo período, marcado pela valorização cambial, a produção industrial cresceu 4% ao ano, apesar do baixo crescimento da quantidade exportada de manufaturados e rápida expansão das importações, compensados pela maior demanda interna.

Quanto à relação entre câmbio valorizado e investimentos, a combinação de crescimento da demanda interna com o acesso a máquinas e equipamentos importados e nacionais mais baratos estimula os investimentos, como mostra a expansão de 8,9% ao ano da formação bruta de capital fixo, entre 2005 e 2007.

É claro que a valorização cambial pode gerar problemas relacionados ao financiamento do déficit em transações correntes, mas uma política fiscal responsável, com crescimento dos gastos públicos menor que o do PIB, reduziria a demanda interna, e assim o déficit externo, e geraria ganhos de credibilidade que permitiria o acesso ao crédito externo com taxas de juros mais baixas. Além disso, com câmbio flutuante, se o mercado entender que o déficit externo não é financiável, a taxa de câmbio naturalmente desvalorizará.

Costuma-se associar o crescimento, nas últimas décadas, de vários países do Leste Asiático ao câmbio depreciado. Essa é uma simplificação que superestima o peso dos salários nas decisões de investimento produtivo. Melhoramentos na infra-estrutura, qualificação da mão-de-obra, abertura comercial, redução da burocracia, baixa carga tributária, incentivos à absorção e desenvolvimento de novas tecnologias e elevado nível de poupança foram fatores essenciais para a expansão das economias daquela região. Além disso, países como China, Índia e Vietnã estão em uma fase do desenvolvimento econômico pela qual o Brasil já passou nas décadas de trinta a setenta, marcada pela urbanização e pela transferência de trabalhadores da agricultura de subsistência para atividades industriais e de serviços nas cidades, de forma que é natural o crescimento mais rápido.

Enfim, a adoção do modelo asiático de expansão voltada para o mercado externo e grandes superávits nas transações com o exterior exigiria taxa de poupança bem mais alta, difícil de alcançar, dada a opção por ampla rede de proteção social e a má administração dos recursos públicos, e capacidade de repressão às demandas salariais que acompanham o crescimento econômico, o que, felizmente, não é politicamente viável no Brasil atual.

Ailton Braga é consultor legislativo do Senado e ex-analista do Banco Central.

E-mail: a2braga@uol.com.br