Título: As preocupantes perspectivas econômicas venezuelanas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2008, Opinião, p. A15
Nos sete meses após Hugo Chávez ter perdido um referendo crucial sobre mudanças na Constituição, em dezembro passado, o preço do petróleo subiu mais de 50%, atingindo um pico próximo de US$ 150 no início de julho. Com essa alta, o lucro líquido venezuelano das exportações de petróleo na primeira metade de 2008 superou o do ano inteiro de 2007, segundo uma estimativa do Departamento de Energia dos EUA. Essa receita extraordinária do petróleo adiou o momento em que a falência da política econômica de Chávez ficará clara aos olhos do cidadão venezuelano comum. Entretanto, mais cedo ou mais tarde, essa hora da verdade chegará.
Para compreender por que, observemos o recente desempenho econômico venezuelano. Diversos aspectos se destacam: mesmo enquanto o preço do petróleo disparava, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) veio declinando gradualmente, ao mesmo tempo em que a inflação, a taxa de crescimento das importações e a dívida pública mostraram-se todas em alta. Em 2006, o crescimento do PIB foi de 10,3% e o da inflação ficou em 17%. No primeiro trimestre deste ano, a economia cresceu apenas 4,8%, em comparação com o mesmo trimestre no ano passado, ao passo que a taxa de inflação nos últimos 12 meses alcançou 34% em julho - apesar de uma taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada, e de controle de preços generalizado. Em 2007, as importações cresceram um terço, mas o PIB expandiu apenas 8,4%. As importações estão crescendo a uma taxa ainda mais rápida do que a receita da exportação de petróleo (e atualmente o petróleo responde por mais de 90% das exportações totais venezuelanas). Apesar do recorde governamental nas receitas petrolíferas, a dívida pública externa cresceu de US$ 30 bilhões para US$ 44 bilhões nos 12 anos até março.
É verdade que o crescimento econômico neste ano todo poderá apresentar recuperação. O número para o primeiro trimestre refletiu uma tentativa pouco empenhada do governo de esfriar a economia para impedir que a inflação escape ainda mais de controle. Diante de importantes eleições para prefeitos e governadores estaduais no fim de novembro, o governo está, novamente, injetando mais dinheiro na economia. Isso significa que a inflação deverá crescer ainda mais. Em meados de agosto, o governo elevou os preços controlados do pão, carne bovina e de outros alimentos de primeira necessidade em até 50%, numa tentativa de aliviar a escassez crônica. A inflação já está comendo as rendas reais dos pobres.
-------------------------------------------------------------------------------- A extraordinária receita do petróleo adiou o momento em que a falência da política econômica de Chávez ficará clara, mas essa hora chegará --------------------------------------------------------------------------------
O cenário básico é claro. Como enfatiza José Manuel Puente, um economista da IESA, uma faculdade de administração e negócios em Caracas, a única maneira de sustentar esse padrão de crescimento é o preço do petróleo continuar elevado e em alta. Mas isso é extremamente improvável. No mês passado, o mercado de petróleo finalmente reverteu. Nas quatro semanas após seu pico em julho, o preço caiu quase 25%, à medida que os traders se dão conta de que uma economia mundial mais desaquecida reduzirá a demanda (e a oferta está crescendo um pouco). O petróleo talvez nunca volte a ser barato, mas a alta inexorável de seu preço foi sustada.
Isso é boa notícia para muitos países em todo o mundo, porém má notícia para a Venezuela. A Revolução Boliviariana de Chávez tornou o país ainda mais dependente do petróleo. Um câmbio sobrevalorizado, controles de preços e de crédito e a constante ameaça de estatização, minaram as vantagens de tentar produzir qualquer outra coisa que não seja petróleo, na Venezuela.
Nada disso aponta para um colapso econômico imediato. Chávez gastou grande parte de seu ganho extraordinário com o petróleo em armamentos russos, estatizações e ajuda ao exterior, bem como em subsídios e programas sociais no próprio país. Mas também poupou um pouco. Ninguém sabe quanto - para Chávez, transparência não é uma virtude. Mas a melhor estimativa é de que ele tenha pelo menos US$ 15 bilhões à sua disposição, e que o Banco Central tenha outros US$ 30 bilhões em reservas internacionais.
Em algum momento no ano que vem, o padrão de crescimento baseado em alta do preço do petróleo, importações e gastos públicos quase certamente chegará a seu limite. Será difícil evitar uma desvalorização, e com ela uma espiral cada vez mais intensa de inflação, estagnação e crescente pobreza. A gravidade de tudo isso dependerá, naturalmente, da intensidade da queda do preço do petróleo.
Nessas circunstâncias, Chávez poderá perder sua maioria legislativa numa eleição para a Assembléia Nacional que acontecerá em 2010. Apesar de sua derrota no referendo em dezembro passado, não há sinais de que o presidente tenha abandonado sua campanha pela imposição do "Socialismo no Século XXI" na Venezuela. Tudo sugere que ele ainda quer mudar a Constituição para permitir sua permanência no poder pelo resto de sua vida. Os próximos 12 meses representam sua última chance realista de tentar novamente. Mesmo que ele tenha êxito nessa empreitada - e isso parece improvável - sem alta nos preços do petróleo o chavismo deverá defrontar-se com enormes dificuldades.
Michael Reid é editor de Américas da revista "The Economist", em Londres e autor do livro "O continente esquecido: a batalha pela alma da América Latina" (Editora Campus). Escreve mensalmente às sextas-feiras.